São Paulo, quinta-feira, 1 de agosto de 1996
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O colapso do financiamento da saúde

JOSÉ MARTINS FILHO

A desagregação do sistema de atendimento de saúde nos últimos oito anos, fruto do autodescredenciamento junto ao governo da maioria dos hospitais privados e filantrópicos, atirou sobre os ombros dos hospitais públicos -especialmente os universitários- um fardo cujo peso vem aumentando de ano para ano.
Desde outubro passado, o peso desse fardo se tornou ainda maior, quando o governo, descapitalizado e sem fontes seguras de financiamento da área, deu mostras de não poder mais cumprir a deliberação que atualizava em 25% a tabela de remuneração dos hospitais fixada com a introdução do real. Esses hospitais sobrevivem, portanto, com níveis de ressarcimento estabelecidos há dois anos, quando a inflação era 59% menor.
Sobreviver não é então, aqui, uma figura de retórica. Para muitos deles, a situação vem se tornando perigosamente próxima da insolvência. Mesmo hospitais que têm atrás de si uma forte estrutura institucional, como é o caso dos universitários de São Paulo, vivem hoje um de seus momentos mais desconfortáveis e inquietantes.
O Hospital das Clínicas da Unicamp, por exemplo, que cobre uma população próxima de 4 milhões de habitantes na região de Campinas, vem acumulando déficits mensais de cerca de meio milhão de reais há oito meses. A hipótese de que não haja uma solução rápida para esse quadro é, para esses hospitais, que são hoje a base do SUS (Sistema Único de Saúde) em São Paulo, simplesmente sinistra. O mesmo acontece pelo país afora.
Racionalizando tudo isso, entende-se por que o ministro Adib Jatene manteve uma luta tão encarniçada pela aprovação da CPMF. O ministro, que é um homem que não perde tempo negando evidências, já enfrentara situação parecida (em todo caso, menos grave) em 1992, quando tentou direcionar para o SUS os recursos "sub judice" do Finsocial, no que não teve, na época, o apoio do empresariado. Não chega a surpreender, portanto, que parta de representantes do empresariado, particularmente o financeiro, o comentário cáustico, no fundo irresponsável, de que "a saúde tem dinheiro, só que é mal empregado".
Números comparativos estão longe de indicar isso. O país gasta apenas US$ 100 per capita, anualmente, com saúde. Países como o Equador, o Paraguai e a Malásia gastam mais (cerca de US$ 200), para não falar de vizinhos como a Argentina, o Chile e o Uruguai (nunca menos de US$ 300) ou de nações com sistemas de saúde plenamente estruturados, como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos (entre US$ 1.200 e US$ 2.000).
Uma prova de que, entre nós, esta continua a ser uma questão de prioridade mal definida. O país simplesmente quer resolver antes sua política monetária, a questão cambial e outros tantos problemas de longo curso, inclusive a saúde dos bancos. Basta ver que, no papel, o SUS expressa há quase dez anos o que de melhor se poderia formular em termos de reorganização dos serviços de saúde.
Há mesmo uma certa unanimidade em torno de seu acerto filosófico e operacional. Não é uma mera casualidade, porém, que justamente a partir daí o sistema tenha sofrido seus mais duros golpes, que os hospitais particulares tenham debandado do sistema e que os hospitais públicos e universitários tenham assumido o papel de última (e, por vezes, única) salvaguarda da imensa população não-coberta por seguros de saúde.
Em meio ao colapso, resultou que as universidades dotadas de complexo hospitalar são hoje o grande e mais confiável parceiro do governo no trabalho de manter vivo e respirando esse enorme corpo doente que é o sistema de saúde brasileiro. São, a rigor, seus aliados mais seguros. Elas não descredenciam leitos nem fecham enfermarias. E, por vezes, no seu âmbito territorial, chegam mesmo a balizar uma certa ordenação regional dos serviços, tal como o SUS preconiza, apesar de todos os problemas de ordem geral que encontram.
No momento, o mais grave deles, o mais urgente e o mais desesperador é o garrote financeiro a que estão submetidos. O ministro, sabemos, tem consciência disso. Espera-se que o Congresso, agora colocado em situação de votar o projeto de lei que define e regulamenta a CPMF, também.

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