São Paulo, quinta-feira, 1 de agosto de 1996
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Epistemologia do mercado

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Otto Maria Carpeaux queria passar um fim-de-semana em Ouro Preto, pediu-me carona, como se Ouro Preto fosse logo ali, na esquina. Como estava com tempo disponível, decidi levá-lo e curtir dois dias em sua companhia -sempre aprendia muito com ele.
Para quem sai do Rio em direção a Minas, a primeira parada mais ou menos obrigatória é Areal, vilazinha entre Petrópolis e Juiz de Fora. São duas fileiras de casas às margens da estrada União-Indústria: lanchonetes, borracheiros, mecânicos de emergência, coisas assim. Inclusive a compulsória barraca vendendo souvenirs de Areal.
Todos sabemos como são esses "souvenirs" destinados aos turistas apressados e de gosto duvidoso. Há barracas iguais em Roma, Londres, Paris e Nova York. Já fui feliz possuidor de um peso de papel onde havia flocos de neve boiando e a informação: "Lembrança de Innsbruck".
Entre as neves de Innsbruck e o mormaço de Areal, as diferenças podem ser muitas, mas os souvenirs são mais ou menos os mesmos. Peguei uma espátula de madeira, dessas que antigamente serviam para cortar páginas de livro. No cabo, estava gravada a preciosa informação: "Lembrança de Areal".
Perguntei ao Carpeaux: "Quem é que faz esses troços?" Carpeaux era gago, utilizava-se de poucas, pouquíssimas palavras no uso diário. Respondeu na bucha: "Quem é que compra?"
Lembro esse episódio toda vez que ouço falar em mercado. Agora mesmo temos o exemplo do Tiririca. Ele gravou "Veja os Cabelos Dela", a letra se refere a uma negra que fede mais do que gambá. A juíza Flávia Viveiros de Castro, da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça (RJ), intimou o autor e mandou a gravadora recolher os CDs estocados na própria gravadora e os já distribuídos às lojas.
É a mesma história dos souvenirs de Areal: não importa quem faz. Importa quem compra.

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