São Paulo, sexta-feira, 2 de agosto de 1996
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Esquerda aparente

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao ver os quatro comerciais que abrem hoje a campanha malufista, não é difícil entender -ou ainda, intuir- por que o secretário Celso Pitta cresceu tanto, saindo do nada para a frente de Francisco Rossi e José Serra.
Em especial, dois comerciais. Não à toa, dois clipes musicais com letra do publicitário Duda Mendonça, que ganha ares de lenda eleitoral.
O primeiro termina: "Quero ver o fim dessa desigualdade/ Quero ver o Cingapura por toda a cidade/ Quero ver meu povo mais feliz."
Na imagem final, o rosto de uma menina, alegre como nunca -em oposição às imagens em preto-e-branco de crianças tristes e miseráveis, do início do comercial.
Não muito tempo atrás e as expressões "desigualdade" e "feliz", a verticalização das favelas e até o sorriso da menina eram propriedade registrada da esquerda.
Agora são propriedade ocupada de Paulo Maluf -e a esquerda, quando chamada a opinar, esforça-se por encontrar defeitos, como Lula com o Plano Real.
O segundo comercial ou clipe abre com a silhueta de um homem arqueado, em desespero, com problemas de saúde e de hospital:
- Meu Deus/ Onde é que eu vou curar...
É das mais melodramáticas cenas já vistas em campanha eleitoral, mas o assunto sustenta. Ela dura pouco, de qualquer maneira, e logo entram as imagens coloridas do PAS, o outro Real malufista.
Na mesma direção, o candidato Celso Pitta, em seu comercial de apresentação, de currículo, lembra muito um professor tucano, livro na mão, óculos de leitura, biblioteca, curso no exterior.
Contra o Real, hoje se sabe, era inútil lutar. A impressão agora não é muito diferente, com PAS e Cingapura.
A não ser, talvez, pela sensação, pelo ruído de fundo de que a prioridade malufista, longe da televisão, está mesmo nos túneis e em todas aquelas obras de empreitada.
Aquelas, que não estão no ar, que desapareceram da vista, mas não do orçamento.
(Aquelas, aliás, que sumiram depois que as pesquisas qualitativas apareceram.)
*
O quarto e último dos comerciais malufistas, em metáfora, traz um "relógio" e tem menor menor impacto, à primeira vista -mas ecoa na memória, com o mote de que só funciona com "peças originais".
O comercial, curiosamente, leva o título "máquina". É a máquina administrativa que Paulo Maluf, assim, acredita ser dele, "original", na qual pretende deixar uma "peça", enquanto avança sobre outras máquinas, maiores.
O mesmo Paulo Maluf que, aliás, promete entrar de sola na campanha. Mas só amanhã.

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