São Paulo, sexta-feira, 2 de agosto de 1996
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Tarifas bancárias e adoração do Estado

MAILSON DA NÓBREGA

A reação contra a liberação da cobrança de tarifas bancárias indica que estamos longe de perceber as vantagens da competição de mercado. A demanda por intervenção estatal e por paternalismo ainda está muito enraizada entre nós.
Entidades de defesa do consumidor acham que a medida é inconstitucional, invocando o artigo 170 da Constituição.
Por esse artigo, a defesa do consumidor é um dos princípios a serem observados na ordem econômica, para o fim de "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social".
O mesmo dispositivo diz, entretanto, que a ordem econômica deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na "livre iniciativa". Por aí, os adeptos da economia de mercado poderiam dizer que o controle das tarifas pelo Estado também é inconstitucional.
É difícil, como se vê, mudar a cultura de uma sociedade como a brasileira, em que seguidas gerações cresceram em clima de apoio ao controle de preços, ao protecionismo e a outras ações relativas ao controle burocrático sobre a economia.
No caso do sistema financeiro, existe também enorme desinformação sobre seu funcionamento, como nessa questão das tarifas. Aqui, o engano é imaginar que os serviços bancários eram gratuitos.
Talões de cheques, extratos, débitos em conta e outros sempre foram pagos. A diferença é que, em vez de cobrados às claras, seus custos podiam ser disfarçados pela inflação. Eram, todavia, seguramente mais altos para o consumidor.
Não foi à toa que os bancos de varejo expandiram a rede de agências e a cobrança de carnês e assemelhados nos últimos 20 anos. O objetivo era aumentar os depósitos à vista, por onde coletavam, para si, o imposto inflacionário.
Os ganhos líquidos decorrentes dos depósitos à vista superavam em muito a gratuidade dos serviços bancários. Os severos limites que a autoridade impunha à cobrança das tarifas não deixavam de ser uma resposta à natureza desses ganhos.
A extensa teia de normas sobre o sistema financeiro brasileiro -dificilmente igualável em outros países- não é subproduto apenas do ambiente inflacionário.
A este se juntaram o baixo nível de competição do passado e a então prevalecente doutrina da intervenção estatal.
As deficiências do serviço de fiscalização bancária, tão realçadas nas recentes e lamentáveis quebras e fraudes em bancos, têm mais a ver com esse processo do que com a competência dos funcionários do Banco Central.
No Brasil, a fiscalização bancária tinha que ser essencialmente formalista. A intervenção era tão vasta que exigia dos fiscais mais atenção ao cumprimento de milhares de regras e controles do que o zelo pela saúde do sistema financeiro.
Agora, o controle do processo inflacionário e a necessidade de ampliar a competição no sistema financeiro estão criando um clima radicalmente distinto. Neste, a autoridade já não tem justificativa para controlar tarifas bancárias.
A melhoria da fiscalização bancária não se dará pela preservação de controles. Ao contrário, a desregulação é fundamental para fortalecer o Banco Central como fiador da moeda e da estabilidade do sistema financeiro. Os correntistas ganharão mais segurança.
A regulação de que precisamos é aquela voltada para estimular a competição e a prática da boa técnica bancária. Não é a de normas sobre preços de serviços bancários ou sobre lances em consórcios de automóveis, para citar duas excrescências do período recente.
Felizmente, chegou a hora de rever com coragem o cipoal de regras criadas ao longo de décadas de controle estatal e de inflação.
A competição interna e externa se encarregará de regular os preços dos serviços bancários, reduzir custos e intensificar a disputa pelos correntistas em bases sadias. Ao contrário do que se está dizendo, o consumidor deve sair ganhando.
Por certo, o futuro comprovará tudo isso. Até lá, é preciso ter persistência nas medidas e paciência para aturar os adoradores do Estado e do paternalismo. Pelo que se viu, eles continuam muito vivos.

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