São Paulo, sexta-feira, 2 de agosto de 1996
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No século 18, Jesuítas só queriam chocolate

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

A história da implantação do chocolate e sua conquista da Europa é a viga mestra de "Hedonismo e Exotismo - A Arte de Viver na Época das Luzes", de Piero Camporesi, que a editora da Unesp está lançando no Brasil (R$ 18,00). Tanto que é o título original do livro, "Il Brodo Indiano" (o creme indiano), como a bebida era conhecida na Europa no século 18.
Discípulo da escola de Annales, que pregava uma história mais vinculada aos fatos cotidianos que aos grandes feitos heróicos, Camporesi constrói um universo recheado de casos divertidos e exóticos, centenas de citações e muitas frases de efeito. Tudo isso dá ao volume uma fluência invejável e muito deleite ao leitor, embora nem sempre se encontre a relevância de tantas curiosidades.
Um dos pontos mais interessantes levantados pelo autor é o caráter político do chocolate e polêmica que causava entre as ordens religiosas da época.
Os jesuítas, por exemplo, donos de uma grande rede de comércio entre os países onde estavam ramificados e sempre interessados em expandir suas relações, usavam o chocolate como arma política de subjugação.
"O chocolate era um instrumento de penetração. Por meio dele, os jesuítas podiam alcançar o consenso. E todos sabem que os jesuítas não tinham qualquer pudor em política. O triunfo da Igreja, de certa forma, passava pelo triunfo do chocolate. Era uma forma de se conseguir consenso político, espiritual e religioso. A estrada da providência passava também pelo chocolate. Era uma técnica de conquista das almas por meio do prazer da taça aromática do chocolate. Os jesuítas sempre tiveram uma relação de vanguarda com o fato novo. Olhavam o chocolate com simpatia e faziam um grande uso dele", disse Camporesi.
Ao ser usado exaustivamente pelos jesuítas, o chocolate foi criticado por membros de outras ordens religiosas, rivais da Companhia de Jesus, como os dominicanos. Na época, indagou-se também se o chocolate quebrava ou não o jejum.
Alguns teóricos da época chegaram a relacionar bebidas quentes, como café e chocolate, a diferentes opções religiosas, idéia essa contestada por Camporesi.
"Fazer coincidir a rigorosa ética protestante com o café é anti-histórico. É uma bobagem de um histórico alemão, Wolfgang Schivelbush. Não existe a equação café igual a protestantismo, chocolate igual a catolicismo. O café, o chocolate, o chá, todas as bebidas têm uma vida difícil na Europa. Existe sempre uma literatura a favor e outra contra", disse.
O Brasil também entra nessa discussão, mas apenas como fornecedor de duas das mais cobiçadas matérias-primas da época: o cacau e o açúcar.
O país é citado pelo médico e gastrônomo Francesco Redi como fornecedor de um "chocolate puro". Redi é uma das grandes fontes de Camporesi. Detalhista ao extremo, chega a fazer clínicas descrições do uso do recém-chegado tabaco.
O açúcar brasileiro é citado em um soneto do padre Giuseppe Girolamo Semenzi, sobre as virtudes do café e a promiscuidade do chocolate.

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