São Paulo, sábado, 3 de agosto de 1996
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'Decifra-me ou te devoro"

ANDRÉ URANI

Na qualidade de professor universitário, ex-superintendente de estudos socioeconômicos do IBGE e pesquisador da Fundação Seade, o professor Armando Barros de Castro perdeu uma boa oportunidade, no espaço que ocupou na Folha de 6/7/96, de nos agraciar com uma explicação plausível de porque a taxa de desemprego aberto na região metropolitana de São Paulo em abril último foi de 7,1% segundo a PME/IBGE e de 11% segundo a PED/Seade-Dieese.
Preferiu enveredar pela vala comum dos impropérios estéreis disfarçados de um verniz "acadêmico", comportamento típico de quem teme uma confrontação de idéias mais ampla e aprofundada.
Enquanto pesquisador de uma fundação pertencente a um governo estadual que tem enfrentado sérias dificuldades financeiras, o ilustre professor talvez tema que a busca de uma maior coerência e abrangência das estatísticas sobre mercado de trabalho se traduza em cortes de verba que comprometam a continuidade de um trabalho sério e abnegado que, junto a valorosos colegas, vem levando a cabo ao longo de mais de uma década.
Sua preocupação, no entanto, se justifica apenas parcialmente: não passa pela cabeça de ninguém que defenda a reconstrução de um sistema estatístico nacional -e o consequente fortalecimento do IBGE- que este último venha a ter o monopólio da coleta e do processamento de dados.
Pelo contrário: o caminho passa, inevitavelmente, pelo estabelecimento de parcerias de diferentes tipos com Estados, municípios e o próprio setor privado. Para que isso seja possível, na prática, é preciso que os diferentes atores sociais não divirjam a respeito de uma gama mínima de conceitos básicos como, por exemplo, o de "desemprego aberto".
O que não impede, evidentemente, que as formas de inserção no mercado de trabalho -a partir de um agrupamento mínimo comum- possam ser diferenciadas segundo as especificidades regionais que bem se entender ou mesmo modificadas, ao longo do tempo, conforme as transformações históricas em curso o tornarem necessário.
Se pudermos contar com mais de um indicador para mensurar o desemprego, ótimo. Absurdo, entretanto, seria pedir aos contribuintes que continuem financiando duas pesquisas mensais em São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte sem sabermos ao certo qual é a taxa de desemprego aberto nessas regiões metropolitanas nem termos recursos para financiar pesquisas análogas em Belém, Goiânia ou Campinas.
À sociedade como um todo o que interessa é obter um sistema de informações em que possa confiar para poder participar ativamente -nos diferentes foros que foi capaz de criar nos últimos tempos- da formulação de soluções para o problema que mais a aflige neste momento: o do emprego.
Caminharmos rumo a um sistema desse tipo exige, por parte dos principais produtores e usuários das estatísticas sobre mercado de trabalho, um certo despojamento e muita humildade.
A primeira tarefa que se impõe, neste sentido, é a de buscar na pesquisa de A as virtudes que inexistem na de B -e vice-versa. As metodologias, como se sabe, divergem, e não há uma clara predominância de uma sobre a outra.
Não há dúvidas, por exemplo, de que as questões do desemprego e do subemprego são tratadas de forma mais ampla e detalhada pela PED do que pela PME.
Em compensação, por trabalhar com uma amostra mais reduzida que a da PME, a PED não permite o acompanhamento das trajetórias individuais, por exemplo, do emprego formal para o informal via ou não o desemprego, cuja análise é particularmente importante para a formulação de políticas voltadas ao mercado de trabalho em um momento em que, parafraseando o professor Castro, "tudo se torna atípico".
Isto, contudo, não esgota nossa agenda. Teremos também que pensar na compatibilização das pesquisas mensais com:
* a PNAD, única pesquisa verdadeiramente de âmbito nacional, realizada uma vez por ano no mês de setembro. Segundo a última PNAD disponível, referente a 1993, a taxa de desemprego aberto na região metropolitana de São Paulo teria sido de 10,4%, no mesmo mês que a PED indicava 8,0% e a PME (do mesmo IBGE que produz a PNAD), 5,5%; e
* as demais estatísticas econômicas, de forma a obtermos um conjunto de informações coerente e atualizado, que possa permitir a recuperação de um mínimo de capacidade de planejar a longo prazo.
Ao trabalho!

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