São Paulo, sábado, 3 de agosto de 1996
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O frio da noite

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

É forte o frio na região sul do país. Atinge, principalmente, os pobres da cidade. Mais ainda, o "povo da rua". É duro ficar sem abrigo, durante as horas gélidas da madrugada.
Lembro-me de ter, há anos, encontrado na praça da matriz do Belenzinho, um homem inerte, deitado sobre um banco de cimento. Aproximei-me. Tinha falecido durante a noite. A autópsia revelou que morrera de fome e frio. Impossível esquecer. O fato se repete, ainda hoje, no centro da grande São Paulo. Só neste inverno, 12 pessoas morreram de frio.
A situação do povo da rua requer, diante de Deus, atenção urgente de todos nós. Cabe, sem dúvida, aos poderes públicos promover as soluções estruturais. Há muito por fazer. No entanto, algumas iniciativas da própria sociedade precisam ser apoiadas, porque oferecem um primeiro atendimento aos mais necessitados.
Foram, aos poucos, surgindo centros de convivência que abrem as portas, durante o dia, a serviço do povo da rua. Ali encontram alimentação, condições de higiene pessoal, auxílio para documentação, procura de trabalho, atendimento à saúde e algum momento de distensão e lazer. Nesses centros manifesta-se a dedicação de numerosos voluntários.
Não podemos deixar de citar a Comunidade S.Martinho da paróquia de São Miguel, no viaduto de Guadalajara, e a fraternidade "Povo da Rua", no Brás, com especial atenção aos portadores de HIV. No viaduto Pedroso, atua a Comunidade Metodista do Povo da Rua e na Ponte Pequena, a Associação Evangélica Beneficiente.
Outros grupos, entre os quais os espíritas, revelam a beleza da solidariedade humana. Aliás, a população tem respondido, com generosidade, às campanhas de agasalhos, cobertores e alimentos.
A necessidade mais premente é a de um abrigo para a noite, em especial durante o inverno. Como solução imediata, é indispensável que sejam abertos grandes espaços públicos para atender a essa emergência. Os menores sem casa requerem cuidado particular em abrigos separados.
Nesse contexto, gostaria de chamar a atenção para uma iniciativa, ainda pouco conhecida. Na ampla construção onde funcionou, durante anos, o Dais (Departamento de Amparo e Inserção Social), na zona leste de São Paulo, encontramos, agora, um grupo de voluntários, membros da "Fraternidade da Esperança", que acolhe 300 adultos em cada noite, além de senhoras idosas, que aí residem por não ter outro abrigo.
A iniciativa partiu de Ernesto Olivero e dos jovens do "Servizio Missionario Giovane", com sede em Turim. Colaboram com eles membros da paróquia de São Rafael, da Mooca e funcionários imbuídos do mesmo ideal.
Os princípios humanitários e cristãos que inspiram essas iniciativas devem nos levar mais longe -especialmente neste ano de eleições-, até propor e implementar decisões políticas que garantam condições dignas de vida para toda a população.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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