São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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A exibição do trailer

JANIO DE FREITAS

Mesmo que as urnas confirmem o insucesso que as pesquisas atuais lhe insinuam, a candidatura de José Serra transcende muito a disputa paulistana: está fadada a prestar um serviço de relevância nacional. E, uma contradição a mais na esquisitice dessa candidatura, quanto menos promissora a sua campanha pela Prefeitura de São Paulo, maior tende a ser a importância do seu papel nacional.
Não é preciso que a disputa paulistana tenha o discutível caráter plebiscitário, de julgamento das políticas de Fernando Henrique Cardoso, para ter um sentido especial na ótica do governo. José Serra não é um Antonio Kandir, não é um carreirista levado ao Ministério pelo deslimite do seu adesismo. Desde a formação do grupo hoje ocupante do poder, Serra o integra como uma das figuras principais. No núcleo dominante do governo há mais pessoas originalmente ligadas a Serra do que velhos acompanhantes de Fernando Henrique.
Como indivíduos, como governo e como jogadores de política, os componentes do comando governamental estão comprometidos com a candidatura de Serra, por mais que isso desagrade um ou outro deles. Derrota de Serra é igual a derrota do comando do PSDB, do governo como administração e do comando político do governo.
Nada disso quer dizer que o eleitorado paulistano vá, necessariamente, votar para ser contra ou a favor do governo federal, e não segundo preferências locais. A disputa poderá assumir caráter de plebiscito, mas por fatos vindouros e não previstos. O núcleo do governo, porém, mais do que pensar em termos plebiscitários, age em termos de "nós ou o inimigo, não interessa qual". Com isso, mal a disputa começou, o governo federal já é participante direto e confesso da campanha eleitoral paulistana. Participa da campanha de Serra tanto ou mais do que Serra.
A cada dia sobressaem notícias de atividades eleitoreiras programadas para Ruth Cardoso, para o ministro Paulo Renato de Souza, da Educação, para outros integrantes do governo. No final de semana passado, o encontro do presidente da República com o candidato foi um ato explícito de propaganda eleitoral. Nem são menos explícitas as publicidades verbais que o presidente da República tem feito do candidato, como se fosse a coisa mais pudica e ética.
A exploração eleitoreira da suposta homenagem aos nadadores Gustavo Borges e Xuxa não merecia ser vista apenas como um espetáculo calhorda, por figurantes idem. Foi, isso sim, o emprego de dinheiro público para a realização, em duas dependências do poder público, o Palácio do Planalto e o Ministério das Comunicações, de um ato de propaganda desabrida do candidato Serra e, de quebra, do pré-candidato à reeleição presidencial. Se a Justiça Eleitoral fosse Justiça e Eleitoral, do ato resultaria pelo menos um senhor processo por mais de um crime.
O mesmo episódio expôs, além da disposição de relegar qualquer pudor político e ética pessoal, o tom que o comando do governo se dispõe a adotar em relação aos adversários de seus candidatos. Ao falar de cada um dos concorrentes de Serra, Sérgio Motta não fez só um espetáculo a mais de cafajestice incurável. Praticou agressão, da maneira mais baixa. E aí está, no que faz o comando do governo por uma candidatura municipal, o serviço de relevância nacional implícito na candidatura de José Serra. Note-se que o governo apenas começou a agir, considerando que "a campanha nem começou ainda", como disse o mesmo Sérgio Motta.
O que está sendo mostrado importa pouco, porém, quanto à candidatura de Serra. Seu valor está no que projeta para a eventualidade de uma candidatura à reeleição presidencial. Não só a de Fernando Henrique Cardoso, mas a de qualquer um em qualquer tempo, sujeitaria as instituições à manipulação despudorada dos poderes e recursos públicos. Se já horroriza o que "ainda nem começou" e se destina a uma eleição municipal, uma reeleição presidencial levaria a barbaridades inimagináveis. A política se tornaria absoluta e definitivamente patife.
Eis o que certos adeptos da reeleição mostram dela, como em um trailer do filme que idealizam, e mostram de si próprios.

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