São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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A Olimpíada dos negros na terra de Martin Luther King

HUMBERTO SACCOMANDI
ENVIADO ESPECIAL A ATLANTA

Nunca os atletas negros tiveram tanto destaque em uma Olimpíada como em Atlanta, cidade palco da luta contra o racismo nos anos 60 nos Estados Unidos.
Recordes de medalhas, recordes de tempo, recordes de mídia contribuem para reforçar uma imagem de superioridade negra no esporte. Nesse sentido, Atlanta foi uma verdadeira olimpíada negra.
Na última sexta-feira, os atletas negros já haviam ultrapassado no atletismo o número de medalhas de ouro ganhas em Barcelona, quatro anos atrás, segundo levantamento feito pela Folha.
Em Barcelona e em Seul, eles venceram dez provas individuais. Na sexta, essa marca foi superado.
Com a vitória do queniano Joseph Keter nos 3.000 m com obstáculos, os negros somaram 11 ouros em provas masculinas.
Isso representa metade das 22 modalidades individuais no atletismo. Há duas provas coletivas, os revezamentos 4x100 m e 4x400 m.
Na noite de ontem seriam disputadas as finais de 1.500 m, 5.000 m e lançamento do dardo. Hoje, a maratona encerra os Jogos. Assim, o total de medalhas de ouro dos atletas negros poderia chegar a 15.
Eles tinham ainda 9 medalhas de prata (duas a menos que em Barcelona) e 8 de bronze (o mesmo número de Seul).
As mulheres não ficaram atrás. Também superaram na sexta a marca de cinco medalhas de ouro de Barcelona e Los Angeles.
A sexta medalha de Atlanta veio com a nigeriana Chioma Ajunwa, que venceu o salto em distância.
Estavam programadas para a noite de ontem as finais do salto em altura e dos 1.500 m. Isso poderia elevar para 8 as vitórias de negras nas 18 provas individuais.
Em medalhas de prata, as negras já haviam igualado na sexta o número de Los Angeles, 6. Em bronze, superaram todos os desempenhos anteriores, com 9.
No total, tinham até o penúltimo dia de provas 20 medalhas, o melhor desempenho olímpico.
Além dessa conquista numérica, qualitativamente os atletas negros desempenharam um papel de protagonistas na mídia, aspecto fundamental da Olimpíada do marketing que foi Atlanta-96.
Com a vitória no salto em distância, Carl Lewis entrou para o clube dos atletas mais vitoriosos da história. Com 9 medalhas de ouro em quatro Olimpíadas, ele se igualou ao finlandês Paavo Nurmi, ao nadador americano Mark Spitz e à ginasta russa Larissa Latynina.
Mas superaria essa marca ontem à noite caso corresse e vencesse pelos EUA no revezamento 4x100 m.
O canadense Donovan Bailey quebrou o recorde mundial dos 100 m, a prova mais tradicional do atletismo, cuja final é normalmente disputada somente por negros.
Michael Johnson tornou-se em Atlanta o primeiro homem a vencer os 200 m e os 400 m numa mesma Olimpíada. O americano demoliu ainda o seu próprio recorde mundial dos 400 m.
A francesa Marie-José Pérec também venceu os 200 m e os 400 m. Foi a segunda mulher na história a conseguir isso.
Esses feitos ganham muito repercussão na mídia, cativam a audiência, atraem os patrocinadores.
Proliferam também os países premiados através de atletas negros. A África do Sul teve o seu primeiro medalhista negro, Hezekiel Sepeng, prata nos 800m.
França, Itália e Grã-Bretanha foram os países europeus que subiram ao pódio no atletismo graças também a atletas negros.
Em seu célebre discurso em Washington, o ativista negro Martin Luther King disse: "Eu tenho um sonho de que um dia, nas vermelhas colinas da Geórgia, filhos de ex-escravos e filhos de ex-donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade".
Na era do multiculturalismo nos EUA, coube à Geórgia celebrar os negros no pódio olímpico.

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