São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Fragmentos de crises amorosas

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

O título pode levar a um engano. "Histórias Passionais", estréia literária de Marta Moioli, 39, não é um somatório de intrigas, tapas e beijos ou suicídios de amor. Em curtas narrativas, elaboradas sempre do ponto de vista de uma mulher envolvida com um ou mais homens, o que captamos à leitura deste livro é a existência de uma barreira intransponível a revelar a impossibilidade do diálogo completo, do entendimento pleno entre casais.
As crises, para serem "passionais", não implicam necessariamente o escândalo ou a explosão aberta; e até se resolvem, por vezes, de forma subliminar, seja por meio do silêncio puro e simples, seja por interferência de fatores externos que nada têm a ver diretamente com os protagonistas.
No conto "Dor", que abre o volume, a autora narra a história de uma mulher aturdida, com noivado em crise, que, depois de transar com um amante por quem se apaixonara e por quem no entanto é desprezada, morre num "acidente" automobilístico.
Em "O Resgate", uma mulher casada reencontra um amigo depois de sete anos sem vê-lo, aceita ir com ele a um hotel, mas foge, literalmente, na "hora H".
Há ainda enredos que mostram mulheres ricas com homens "humildes", confissões de homens recebidas por mulheres; moças que se autocriticam por serem "decentes" demais, e uma mãe que, "depois de duas amamentações", resolve fazer plástica nos seios e mudar de vida enquanto o marido obeso se distrai com revistas de mulheres nuas. Também existem cenas de brutalidade, quando, por exemplo, um homem cisma de surrar a mulher, evidentemente.
O melhor conto, apesar do título pouco atraente, é "O Primeiro Amor", no qual uma menina de nove anos, acompanhada do pai, sobe a encosta de um morro em direção a um ipê que reina solitário "perto das nuvens"; após o lanche ("desjejum"), os dois fazem a sesta juntos.
Moioli narra tudo isso de modo bastante direto e sintético, mas peca em dois aspectos que, se bem conduzidos, poderiam tornar seu livro de estréia mais consistente.
O primeiro é o acabamento de linguagem, que revela certa incúria em relação ao estilo. Há, por exemplo, um uso excessivo de chavões pseudoliterários do tipo "coração atordoado", "faziam amor", "a vista linda que se descortina lá de cima". O texto não expressa, na sua construção, uma personalidade própria, ficando a meio-caminho entre o jornalístico e o literário.
O segundo aspecto negativo é que, apesar de abordar suas histórias de um ponto de vista relativamente pouco explorado -mulheres falando às claras e de modo simples sobre seus maridos e amantes, o que torna curioso, no conjunto, o seu trabalho-, Moioli não vai muito a fundo, parece ainda tímida, perdendo ótima oportunidade para escarafunchar com mais intensidade, com mais "sangue", o que se passa entre homens e mulheres, a fragilidade daqueles, o grau de implacabilidade daquelas -e vice-versa, dependendo da situação-, a ilusão da "fusão de almas", entre tantos outros temas que o assunto propicia.
Há uma segunda parte do livro, intitulada "Histórias do Interior". Paulista nascida em Mococa, a autora achou por bem reunir três pequenos relatos pitorescos de personagens direta ou indiretamente ligados à sua infância, ao que tudo indica, além de um poema ("A Outra"). Sobre essa parte, vale dizer apenas que, da sua anodinia, bem poderia ter ficado fora da edição.

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