São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Judaísmo ultra-ortodoxo renasce no país

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ISRAEL

O judaísmo ultra-ortodoxo vive um renascimento no Estado de Israel de Binyamin Netanyahu, que venceu em maio as primeiras eleições diretas para primeiro-ministro da história do país.
Uma série de sinais aparece nas ruas de Tel Aviv e de Jerusalém, mostrando que a ultra-ortodoxia está experimentando seu maior momento na última década.
Política
O primeiro sinal, o mais claro, é político. Nas eleições de maio passado, a representação dos partidos religiosos cresceu de 16 para 23 cadeiras no Knesset (o Parlamento, com 120 membros).
Sem o apoio dos religiosos, Binyamin Netanyahu não teria garantido a margem de cerca de 30 mil votos que o colocou na cadeira do candidato à reeleição, o trabalhista Shimon Peres.
O Likud de "Bibi", como o premiê é chamado, ficaria entre a centro-direita e a direita no espectro político clássico. Os religiosos seriam a extrema direita.
Manifestação
Mas o sinal mais forte do renascimento ortodoxo ocorreu no sábado retrasado, quando 150 mil haredins (grupo ultra-ortodoxo) se reuniram na rua Bar-Ilan, na cidade de Jerusalém.
Eles foram autorizados pelo governo pela primeira vez em quase dez anos a fechar a rua durante duas horas no sabá, período de observação religiosa que vai da noite da sexta à noite do sábado.
Os haredins querem fechar a rua durante todo o sabá. O governo concordou com duas horas, entre as 18h e as 20h do sábado, mas o protesto acabou causando uma confusão com a polícia que levou à prisão de quatro religiosos.
"Qual é o religioso que usa o sabá para protestar? Não dá para suportar a coerção", disse a deputada trabalhista Dalia Itzik.
Ela não está sozinha na análise. "Historicamente, os religiosos renegam uma integração total com a sociedade", disse o sociólogo Avigdor Tellemann, de Tel Aviv.
"Tanto que têm escolas próprias, bairros próprios. Agora fecham ruas", afirmou.
Para Tellemann, o compromisso político do Likud com seus aliados religiosos está promovendo o que ele considera um paradoxo: o haredim militante da era "Bibi".
"Eles são uma antítese do ultra-ortodoxo tradicional, que se isolava em bairros evitando a participação normal no Estado", afirmou o sociólogo.
Problema
Isso cria um problema a mais na já complicada situação étnica e religiosa de Israel.
Segundo a delegacia de polícia que fica junto ao portão de Jaffa, na Cidade Velha, em Jerusalém, houve aumento nos incidentes envolvendo judeus ultra-ortodoxos.
Na semana passada, foram 12 incidentes, contra uma média de apenas quatro ou cinco nos meses anteriores.
Na terça-feira passada, 50 ultra-ortodoxos atacaram Sigalit Amar, funcionária do Ministério da Educação.
Eles destruíram os vidros de seu carro no centro de Jerusalém. "Diziam que iam acabar comigo porque eu era mulher e trabalhava", disse Amar.
Além disso, há queixas de que o Estado poderia estar protegendo os ultra-ortodoxos.
Violência
No sábado retrasado, a Folha também presenciou uma cena que não foi registrada pelos policiais israelenses.
Por volta das 14h, um haredim descia uma viela perto da rua Misgav Ladach, no ponto onde o quarteirão judeu chega a se misturar com as lojinhas árabes típicas do bairro muçulmano.
Quando passou por uma loja de temperos, começou a discutir com o árabe vendedor.
Sacou um telefone celular, falou com alguém e depois continuou com a discussão.
Soldados
Em menos de cinco minutos, quatro soldados israelenses chegaram ao local, separaram os dois e começaram a bater no árabe. O haredim foi embora.
"Isso não acontecia há alguns anos", disse o árabe, que afirmou ter 53 anos. "Agora, não é a primeira vez desde que 'Bibi' assumiu", continuou. O árabe afirmou que não queria dar o nome com medo de represálias.
O governo israelense nega qualquer proteção especial a grupos étnicos ou religiosos no país.
"Esse tipo de incidente, embora não o tenha visto, não quer dizer nada. É uma briga como a mesma que tivemos no sábado para garantir o direito de fechar a Bar-Ilan e rezar", disse o haredim Iacov Kailav, um dos líderes da manifestação de sábado retrasado. Ele disse que pertencia ao partido Judaísmo Unido pela Torá.

LEIA MAIS sobre Israel às páginas 20 e 21

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