São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Mães da Praça de Maio rejeitam indenização

Líder do grupo, Hebe de Bonafini, visita Brasil

DANIEL BRAMATTI
DE BUENOS AIRES

A líder da Associação das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini, visita o Brasil para uma pregação contra o pagamento de indenizações a familiares de vítimas do regime militar. Sua chegada estava prevista para ontem.
Convidada para encontros com políticos, sindicalistas e militantes de grupos de direitos humanos, a todos ela repetirá a mesma mensagem: "A única reparação possível é a punição dos culpados".
Assumidamente radical, Bonafini considera "inútil" a busca pelos corpos de desaparecidos na Argentina e no Brasil. "A busca por um corpo é uma luta individual, que acaba quando o cadáver é exumado. Não estamos atrás de cadáveres, mas de justiça", afirma.
Uma das fundadoras da organização que denunciou ao mundo as atrocidades cometidas pela ditadura argentina, Bonafini contabiliza a perda de dois filhos e de uma nora no final da década de 70.
Considera inimigos não só os generais do regime militar (1976-83), mas também os governantes na democracia, a quem não perdoa pela anistia a torturadores.
Na quinta, Bonafini recebeu a Folha na sede do grupo e explicou por que considera "repugnante" a aceitação de indenizações.
*
Folha - Qual é o objetivo de sua visita ao Brasil?
Hebe de Bonafini - Como sempre, é a denúncia. É a forma que temos de seguir lutando. Queremos nos encontrar com as autoridades brasileiras para que saibam em que pontos estamos em desacordo. Além disso, queremos demonstrar solidariedade ao movimento dos sem-terra.
Folha - Familiares de argentinos desaparecidos no Brasil querem que o governo brasileiro reconheça suas mortes. A sra. vai discutir esse assunto?
Bonafini - Não, porque não nos interessa essa questão de identificar pequenos grupos. Estamos lutando por todos os desaparecidos e não aceitamos as indenizações econômicas. É repugnante o fato de pessoas pedirem dinheiro pela vida. A vida vale vida. A única indenização possível é a justiça.
Folha - O que a sra. entende por justiça?
Bonafini - A responsabilização dos culpados. É mais cômodo pagar indenizações em vez de mandar os assassinos à cadeia. Cada um vende o que que quer, e infelizmente algumas famílias vendem o sangue dos desaparecidos.
Folha - Após 13 anos do fim da ditadura, de que forma atuam hoje as Mães da Praça de Maio?
Bonafini - Agora há um grande debate entre as mães, envolvendo as indenizações econômicas, a exumação de cadáveres e a construção de monumentos em memória das vítimas. Outro tema que gera controvérsia é a colocação dos nomes dos desaparecidos nas fotos utilizadas nas manifestações.
Achamos que não são os nomes que fazem as pessoas, mas o contrário. Meus filhos poderiam se chamar de qualquer jeito e teria acontecido exatamente a mesma coisa. Há milhares de desaparecidos que não têm fotos.
Então, decidimos não colocar nomes nos retratos, porque cada desaparecido representa todos. Em um de nossos atos mais fortes, colocamos 1 milhão de fotos sem nome na avenida de Maio.
Folha - Como a sra. interpreta as últimas mudanças no panorama político, como a queda do ministro Domingo Cavallo?
Bonafini - Creio que Cavallo não caiu. Ele se retirou temporariamente para poder se candidatar à Presidência em 1999.
Ele é o candidato ideal para os EUA, para o FMI, para o imperialismo. E esse outro (o novo ministro, Roque Fernández) é pior do que ele. Estamos cada vez pior.
Folha - E a queda do ministro Rodolfo Barra (Justiça), acusado de integrar uma organização nazista na década de 60?
Bonafini - Nós vínhamos denunciando a atuação de Barra há muito tempo. Na época em que foi nomeado, houve várias greves de fome em protesto pela situação dos presídios. Para saber que Barra era nazista, não precisei vê-lo em uma foto com o braço levantado.
Folha - Por que a associação é contra a construção de monumentos em memória das vítimas?
Bonafini - Não aceitamos homenagens individuais. Somos as mães dos 30 mil desaparecidos e fazemos tudo de forma coletiva.
Não aceito que nas universidades coloquem placas em homenagem aos médicos desaparecidos, aos jornalistas desaparecidos. Meu filho não foi levado por ser físico, mas por ser revolucionário.
Queremos que as pessoas também se lembrem do que fizeram nossos filhos, e não só da ditadura. A melhor memória é mostrar o que faziam nos bairros pobres.
Na casa de meu filho mais velho, havia três frascos com moedinhas: um para a comida, outro para as viagens, outro para os imprevistos. Com isso ele vivia. Meu filho mais novo trabalhava em dois empregos para poder levar dinheiro para um amigo que vivia na clandestinidade. Agora, já não existe mais disso. É preciso mostrar o quanto é bonito ser solidário.

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