São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Palestinos "pulam muro" para trabalhar

IGOR GIELOW
DO ENVIADO ESPECIAL A ISRAEL

A mudança de governo em Israel criou uma nova categoria entre os palestinos da Cisjordânia ocupada: os "clandestinos legais".
O aparente paradoxo se explica. São trabalhadores palestinos que moram na Cisjordânia e trabalham do lado israelense, com toda a documentação em ordem.
Porém, com as dificuldades para entrar no lado israelense, acabam pulando muros e trabalham de forma clandestina.
"É uma das situações mais estranhas, entre as tantas que vivemos aqui", afirma o advogado Osama Halabi, árabe israelense que mora em Jerusalém e que ajuda palestinos em questões legais.
Segundo ele, dos 8.000 palestinos da Cisjordânia que trabalham em Jerusalém, a metade virou "clandestino legal" após a posse de Netanyahu. "A burocracia sempre existiu, mas não o impedimento."
A Folha visitou um dos locais de entrada para Jerusalém. Os palestinos passam por três pontos, sendo revistados no primeiro, até entrar na cidade onde trabalham.
Há muita reclamação e gritaria. Soldados com fuzis automáticos tentam organizar as filas.
"Não houve nenhuma mudança. Só estamos impedindo que pessoas com documentação incompleta entrem", disse o funcionário do posto, que não se identificou.
Para entrar, além do visto de trabalho, é preciso mostrar um documento do empregador e uma identidade. "Ficamos como gado aqui", disse Hamad Musai.
A solução encontrada por muitos é o muro de casas fronteiriças. Como os bairros a leste de Jerusalém são de maioria árabe, muitos palestinos acabam pulando cercas e muros de casas de conhecidos. À noite, pulam o muro de novo e voltam para suas casas.
Ao todo, aproximadamente 27 mil palestinos da Cisjordânia e da faixa de Gaza trabalham com permissão no lado israelense.
A maioria é empregada na construção civil e em alguns serviços administrados por não-judeus.
É o caso de Musai, 28, que ficou duas horas na fila, no sábado retrasado, para entrar em Jerusalém.
Ele trabalha em um pequeno restaurante armênio, perto da estação de polícia da Cidade Antiga, como um ajudante de cozinha.
"Ganho o equivalente a US$ 200 por mês. Dá para viver, mas mal. Porém, é emprego, algo que não existe do outro lado."
Seu irmão mais novo, Mullah, também tem visto de trabalho e é empregado de uma empreiteira, mas não tem a paciência do irmão. "Além disso, meu horário é mais rígido", afirma Mullah, 22.
Diariamente, ele pula o muro da casa de um amigo que trabalha na mesma construtora. Ele não informou a localização da casa.
"Tem um pessoal que chama a gente de gafanhoto lá no emprego. Mas isso não é muito engraçado porque lembra praga", brincou.
"Nem acho que o problema seja 'Bibi'. Nem Arafat, que promete demais. A questão é que a gente não tem recursos do lado palestino, nem vai ter se um dia houver a paz", disse o irmão Hamad.
"O que importa é acabar com as mortes. Mas, lembre-se, demorou 20 e tantos anos para Israel reatar com a Alemanha. Há feridas que demoram para cicatrizar mesmo."

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