São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996 |
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A burocracia e o "custo Brasil"
ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES Ele passou a vida mexendo com café, soja, milho e gado. Com indústria, nunca lidou. Mas, agora, não sei por que cargas d'água, cismou de comprar uma metalúrgica de médio porte.Antes de fechar o negócio, me telefonou. Estava preocupado com a lista de obrigações apresentada pelo contador da empresa em vista. De início, foi me perguntando sobre a exatidão de um amontoado de siglas que, se fossem comestíveis, daria para fazer uma sopa suculenta: IR, PIS, Cofins, ICMS, ISS, IPI, DCTF, Dipi, IPTU, INSS, FGTS, Incra, Sebrae, Sesi, Senai, Rais etc. Disse a ele que nenhuma delas me era estranha, pois há anos mantenho centenas de funcionários cuidando única e exclusivamente do preenchimento de papéis e realizando recolhimentos durante 365 dias por ano. Mas a lista continuou. O Matias quis saber a respeito da contribuição social sobre o lucro; do controle de impostos retidos por terceiros; da conferência das obrigações fiscais de empresas contratadas; da manutenção de livros próprios para impostos municipais, estaduais e federais; da escrituração do diário e do razão; das informações periódicas para a Receita Federal; e tantas outras coisas. Ele estava inconformado. Inconformado e desconfiado. Achava tudo aquilo muito fantasioso -histórias criadas pelo contador da firma para mostrar serviço e valorizar seu cargo. Infelizmente, só me restou confirmar o que foi perguntado. Vivemos num gigantesco cipoal cujas pontas desapareceram no oceano das burocracias. Sentindo a lista incompleta, por força da nossa velha amizade tive de acrescentar outros itens que passavam despercebidos pelo bom amigo. Disse a ele que a empresa deveria estar preparada para fornecer boletins a órgãos das três esferas de governo; guardar documentos por longo prazo; processar mensalmente o salário-família, o seguro-acidentes, o controle de dependentes e o enquadramento legal para fins de Imposto de Renda; assim como preparar dados de admissão e demissão de empregados, fichas de vacinas dos seus filhos; manutenção de escolas e creches; preenchimento de formulários para seguro-desemprego; manutenção do programa de controle médico; realização de exames médicos obrigatórios; execução de medidas de controle ambiental etc. Ele queria me interromper, mas tomei fôlego e fui até o fim, lembrando ser essencial preparar adequadamente os formulários para carga e descarga portuária; pagar as obrigações sociais dos estivadores, as taxas aduaneiras, os seguros de fretes e os seguros dos veículos. Ele, como velho agricultor e habituado com coisas simples e diretas, desistiu do negócio. E teve um demorado calafrio ao tomar consciência da imensidão de tempo, pessoal e recursos que se gasta para preencher papéis que decorrem de um alucinado sistema de regulamentação. É a burocracia onerando o "custo Brasil". Texto Anterior: O sonho do Magalhães Próximo Texto: RANCOR ETERNO; MÃO FECHADA Índice |
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