São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Paizããão!!!

LUIZ MALAVOLTA
FOTO ANA OTTONI

Luiz Bertoline afirma ter adotado 137 crianças, mas dispõe de registros de nascimento de 127. Segundo ele, três foram embora com seus documentos, sete morreram e ele não dispõe de cópias. Abaixo, a lista dos 127 filhos, em ordem alfabética. Maria é o nome que mais se repete -seis vezes, em seguida vem José, quatro:
Ademilson Bertoline (18/8/67), Adriano Bertoline (3/10/80), Alexandre Locatelli Bertoline (25/12/68), Aluisio Bertoline (17/6/62), Álvaro Adriano Bertoline (19/12/76), Ana Bertoline (16/6/68), Ana Lúcia Bertoline (30/5/72), Ana Maria Conrado Bertoline (21/9/63), André Luiz Bertoline (30/5/72), Andrea Cibele de Araújo Bertoline (5/8/70), Andressa Karina Bertoline (17/9/81), Antônio Bertoline (13/7/64), Antônio Carlos Bertoline (14/5/72), Antônio Donizeti Bertoline (24/7/58), Aparecida Bertoline (20/4/61), Ariovaldo Bertoline (25/10/71), Betânia Ramos de Souza Bertoline (8/1/71), Carlos Henrique Bertoline (12/3/66), Celina Isabel Bertoline (23/7/73), Celso Adriano Bertoline (19/4/75), Cintia Francinei Bertoline (17/11/81), Cristiano Bertoline (24/10/81), Daniel Aparecido Bertoline (15/12/76), Daniel Bertoline (10/8/77), David de Souza Guedes Bertoline (29/7/62), Débora Bertoline (21/6/84), Donizete Aparecido Bertoline (12/11/77), Doriedes Périco Bertoline (25/8/65), Edson Vander Bertoline (20/1/73), Eduardo Bertoline (17/5/77), Edvânia Cristina Bertoline (23/12/74), Elaine Cristina Bertoline (24/7/79), Eli Araújo Bertoline (27/2/82), Eliana Lúcia Bertoline (1/9/80), Enid Bertoline (16/1/72), Evandro Santos Bertoline (21/1/83), Fabiana Bertoline (22/11/77), Fabiana Teixeira Bertoline (9/11/71), Fabiano Bertoline (22/11/77), Fábio Bertoline (21/4/82), Fátima Aparecida Bertoline (17/2/79), Fátima Bertoline (13/9/75), Francisco Weber Bertoline (26/9/74), Geraldo Pereira Bertoline (26/10/68), Germano Marius Bertoline (10/4/81), Gilberto Bertoline (12/3/66), Gláucia Samara Bertoline (18/2/74), Henilton Bertoline (20/3/68), Hércio Luís Bertoline (20/1/73), Humberto Bertoline (2/6/75), Icenaide Bertoline (30/6/65), Irene Vanessa Bertoline (23/10/75),
Isabel Bertoline (8/11/74), Isabel Cristina Bertoline (8/1/76), Isabel Rita Bertoline (2/11/75), Ismael Bertoline (7/5/77), Janaína Bertoline (22/5/82),
Janice Cléa Bertoline (18/3/73), João Aparecido Donatti Bertoline (15/8/66), João Bertoline (28/5/69), João Cláudio Bertoline (27/3/72), Joana d'Arc Bertoline (2/7/67), Jorge Antônio Bertoline (1/5/77), Jorge Benedito Bertoline (4/4/75), José Aparecido Bertoline (1/9/63), José Antônio Alves Bertoline (25/12/66), José Antônio Bertoline (7/3/66), José Hélio Bertoline (29/7/68), Leonice Bertoline (11/4/66), Luciana Bertoline (16/11/73), Luciano Bertoline (22/8/72), Luiz Antônio Bertoline (21/6/61), Luiz Gustavo Bertoline (21/11/79), Magali Cristina Bertoline (31/10/72), Marcelo Alessandro Bertoline (10/4/78), Márcio Bertoline (28/8/73), Márcio Bertoline (27/6/77), Márcio Henrique Bertoline (27/9/76), Marcos Bertoline (6/2/74), Marcos Vinicius Bertoline (3/9/81), Maria Aparecida Bertoline (8/9/55), Maria Aparecida Bertoline (7/7/63), Maria Aparecida Bertoline (27/6/70), Maria Georgina Conrado Bertoline (23/1/62), Maria Helena Bertoline (18/2/79), Maria Nazaré Bertoline (17/7/76), Marinalva Bertoline (26/11/68), Marili Bertoline (18/2/70), Mário Aparecido Bertoline (4/6/70), Marlene Bertoline (18/2/70), Mauro Bertoline (18/1/64), Meimei Cristiane Bertoline (30/11/79), Natalina Bertoline (1986 -não é definida dia e mês no registro de nascimento), Nina Rosa Bertoline (17/9/76), Nívea Bertoline (16/7/71), Odete Bertoline (13/3/56), Patrícia Bertoline (21/3/77), Paulo Donizete Bertoline (16/3/63), Paulo Marcelo Araújo Bertoline (18/3/70), Reginaldo Francisco Bertoline (20/12/76), Renata Bertoline (2/9/78), Renato Bertoline (9/3/68), Ricardo Bertoline (17/5/79), Ricardo Cardoso Bertoline (5/10/69), Rivaldo Pereira Bertoline (2/11/74), Roberto Bertoline (12/3/66), Rodrigo Bertoline (20/6/83), Rosália Bertoline (4/9/58), Rosimeire Bertoline (10/4/60), Rosimeire Bertoline (2/7/80), Scheilla Bertoline (13/2/77), Sebastião Roberto Bertoline (15/7/74), Selma Maria Bertoline (1/7/78), Sidnei Donizetti Bertoline (25/4/71), Silmara Bertoline (7/3/76), Silvana Bertoline (7/8/72), Simone Bertoline (25/1/78), Sirlene Maria Bertoline (13/5/83), Suzi Helena Bertoline (18/5/75), Tiago Bertoline (31/10/86), Vagner Bertoline (10/4/78), Valdevino Tavares da Silva Bertoline (4/10/67), Valentina Bertoline (28/7/54), Valquíria Bertoline (17/11/71), Vera Carolina Bertoline (30/11/79), Willian Bertoline (18/4/76), Wilson Bertoline (2/10/77).
O escrivão de polícia aposentado Luiz Bertoline, 66, é o pai brasileiro com maior número de filhos em seu nome, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) constatou no Censo de 91.
No cartório de registro civil de Araras (170 km a noroeste de São Paulo), onde a família Bertoline vive, Luiz e sua mulher Clorinda, 77, têm registrados em seus nomes 137 filhos.
Desses, o casal Bertoline teve apenas três filhos naturais, que já não moram mais na cidade. Os demais foram adotados nos últimos 29 anos.
O juiz da Infância e da Juventude de Araras, Durval José de Moraes Leme, 36, elogia o casal Bertoline e diz que não conhece nenhum caso semelhante: "Hoje, pela legislação do menor em vigor, dificilmente outra pessoa conseguiria fazer o mesmo". A lei exige que o casal demonstre ter condições financeiras estáveis para adotar a criança.
Luiz guarda em uma pasta, em seu escritório, todas as certidões de adoções dos filhos, junto com outros documentos e exames médicos das crianças.
O começo
A decisão de formar uma família com filhos adotivos foi de dona Clorinda. Em 67, ela perdeu um casal de gêmeos durante o parto e ficou traumatizada.
Logo que se recuperou, Clorinda conversou com Luiz e disse que queria adotar filhos, apesar de já ter três e cuidar de quatro sobrinhos.
Dias mais tarde, Irmã Severina, freira responsável por um orfanato de Araras, a procurou dizendo que tinha quatro irmãos órfãos para serem adotados.
"A freira nos ofereceu uma das crianças e procurava outras famílias para ficar com as outras três. Minha mulher disse que não separaria os irmãos. Ficamos com os quatro", disse Bertoline.
Valentina, Odete, Luiz Antônio e Valdevino foram, meses depois, adotados e receberam o sobrenome Bertoline. Hoje, eles não moram mais com o casal.
"Cada um casou, constituiu família e vive bem e honestamente", afirmou Clorinda. Valentina, a mais velha, tem 44 anos e mora em Minas Gerais. Odete trabalha no Hospital das Clínicas de São Paulo. Luiz Antônio e Valdevino moram em Araras.
Depois dos quatro irmãos, sempre que apareciam crianças abandonadas, ele e sua mulher levavam para casa e ingressavam com pedido de adoção junto à Justiça. "Adotávamos porque entendíamos que precisávamos dar uma família a essas crianças, ou elas não teriam muitas chances na vida."
Clorinda nunca recusou receber as crianças. O casal adotou vários portadores de deficiências, até hoje cuidados pela família.
Luiz e Clorinda dizem ser adeptos da doutrina espírita e teriam assumido a tarefa de cuidar de crianças desamparadas como uma "missão em terra".
Além dos filhos adotados, eles cuidaram de outras 113 crianças carentes, abandonadas pelas famílias ou órfãs.
"Sou o pai mais feliz do Brasil, tenho a maior família do mundo e, ainda por cima, muito unida, já que todos se respeitam e se ajudam", afirmou Bertoline, vereador mais votado em Araras, eleito em 1992 pelo PDT, com 1.701 votos.
Orçamento familiar
A família vive numa chácara de um alqueire (24,2 mil metros quadrados), a 5 km do centro de Araras, batizada por Bertoline com o nome de "Berço da Fraternidade - Cidade da Criança".
Bertoline nunca recebeu uma ajuda financeira de entidades governamentais e mantém a família com a aposentadoria de R$ 1.200 e os R$ 700 que recebe como vereador.
Mas, segundo ele, o dinheiro não é suficiente. O restante das despesas é custeado graças a ajudas de amigos e algumas empresas que periodicamente contribuem com sua "casa".
A Nestlé, por exemplo, fez uma doação em dinheiro que permitiu a Bertoline comprar uma Kombi usada para o transporte das crianças às escolas.
O casal não tem idéia de quanto gasta por mês para alimentar, vestir, calçar e pagar outras despesas. "Desisti de fazer contas, caso contrário constataria que seria tudo inviável", diz Bertoline.
Na chácara, ele construiu 16 casas, um amplo refeitório com cozinha, um salão com palco para apresentações, minibiblioteca, sala de TV, berçário e oficinas de marcenaria -a maior parte conseguida com doações de amigos.
"Foi contra a nossa vontade, queríamos continuar adotando e ajudando crianças carentes a ter um lar de verdade", afirmou Clorinda, que cuida da comida, roupa limpa e ensina as moças a cozinhar e a fazer a limpeza de casa.
Bertoline é responsável pelos reparos nos imóveis, hoje realizados pelos seus filhos, sob sua orientação. "Aqui todos sabem mexer com eletricidade, encanamento, cuidar da horta e fazer manutenção na propriedade. Todos são obrigados a manter a casa em ordem."
Além disso, Luiz Bertoline diz que "fiscaliza" os 46 filhos que estão em fase escolar, verificando seus cadernos, notas de provas e frequência às aulas.
"Sempre digo a eles que sem estudos não chegaremos a lugar nenhum. Felizmente, todos os meus filhos são ajuizados e aceitam as orientações."
A formação
Bertoline tem orgulho de ter conseguido que seis filhos adotados chegassem à universidade. Quatro deles se formaram biólogos. Um deles, Antônio Bertoline, é advogado em São Paulo. David de Souza Guedes Bertoline, 34, um dos primeiros filhos adotados, é hoje administrador de empresas em São Paulo. Antônio e David têm escritório juntos em Perdizes.
Há dez anos, já formado, David deixou a cidade para tentar a sorte em São Paulo. "Tivemos muita sorte de encontrar o casal Bertoline, que nos adotou e nos transformou em seus filhos", disse.
Para David, a história da família Bertoline merecia um livro. "Não conheço nada parecido em qualquer outro lugar".
O superpai diz que a maioria dos filhos se casou e foi embora. Mas, segundo ele, nunca deixaram de telefonar, enviar correspondência ou visitar o casal em Araras: no Natal, Ano Novo, Dia dos Pais ou Dia das Mães.
O Dia dos Pais
Luiz anda bastante agitado, pois sabe que a família vai se reunir domingo que vem, para comemorar o Dia dos Pais, com um almoço a ser preparado por dona Clorinda.
"Muitos filhos já telefonaram avisando que virão para cá e eu vou fazer um bolo, vai ser uma festa para o Luiz."
Ele está ansioso também para rever a maior parte dos 78 netos e a primeira bisneta, neta dos filhos adotivos: "O maior problema nessas datas comemorativas é encontrar espaço para guardar os presentes que a filharada traz".
Bertoline não revela os nomes dos seus três filhos naturais -duas mulheres e um rapaz. Segundo ele, adotivos ou naturais, "todos são meus filhos. Não dá para separar".
Eduardo Bertoline, 19, adotado ainda bebê pelo casal de Araras, diz que nunca foi chamado de "filho adotado".
Luiz Bertoline lamenta que o Brasil tenha tantas crianças abandonadas e marginalizadas. "A razão dos problemas está na nossa própria cultura, na educação falha. Eu fico chocado de ver as crianças nas ruas, desamparadas e sem alguém que as proteja, já que o poder público não faz nada para acabar com esse problema."

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