São Paulo, domingo, 4 de agosto de 1996
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Cada pai, um pai

PAULO GIACOMINI

O pai solteiro
Os filhos do empresário Ramiro Alves da Rocha Cruz, 49, tinham 3 e 4 anos, quando ele se separou da mulher e ficou com a guarda das crianças.
Na mesma época, sua empresa, que já estava com problemas, foi à falência e, além do seu tempo normal de trabalho, ele precisou completar o orçamento fazendo corridas de táxi.
"Não acho que houve tempos difíceis. É claro que, quando eles eram pequenos, precisava de alguém para me ajudar a tomar conta enquanto eu trabalhava. Mas o resto eu fazia", diz.
Cozinhar, dar banho, escolher a melhor escola, ajudar na lição de casa, ficar de olho nos amigos e nas namoradas. Durante 19 anos, Cruz assumiu todas as "tarefas" de pai e mãe.
"Tudo o que eu queria era suprir a falta que a mãe deles fazia. Também por isso nunca cogitei arrumar uma outra mulher até eles ficarem adultos porque sabia que não substituiria a mãe deles e eu não queria causar constrangimentos."
Alexandre e Ramiro Junior têm hoje, respectivamente, 23 e 22 anos. Cruz se casou novamente há quatro anos e teve outra filha, Ana, 3.
"Moramos todos na mesma casa. Minha mulher nunca chamou os meninos de filhos e eles nunca a chamaram de mãe, mas temos um ótimo relacionamento", diz Cruz.
"É possível que eu tenha errado alguma coisa, mas acho que nada que comprometesse o futuro dos meninos. Sempre fiz tudo o que achava que era melhor para eles. Faria tudo de novo."

Mãe que é pai
A publicitária Márcia, 39, e a jornalista Regina, 32, vivem juntas há oito anos. Isabela, 8, é filha de Regina. Os nomes são fictícios. "O preconceito é real", afirmou Regina.
Apesar do pai de Isabela estar sempre presente, é o casal de lésbicas que "impõe limites" à menina. "Quem decide isso ou aquilo sou eu", afirma Regina.
Ela ainda não falou nada à filha sobre sua relação com Márcia, que é apresentada como uma amiga, mas que também participa das decisões. "Quando Isabela estiver vivendo sua sexualidade, vai entender melhor."

Tempo de ser pai

Pai perto dos 60 anos. Até bem pouco tempo, o empresário Eron Alves de Oliveira, 61, nem sequer pensava em se casar quanto mais em ter filhos.
Já tinha até decidido se tornar um "solteirão". Isso até encontrar a norte-americana Alisson (hoje Alves de Oliveira), 26, no Michigan, há sete anos.
"Foi amor à primeira vista, casei-me com ela, trouxe-a para o Brasil e tive duas filhas, Natasha, 6, e Amanda, 4", disse Oliveira.
"Elas mudaram a minha vida, me deram novo entusiasmo, mas não acho que sou um pai tardio. Antes, talvez não fosse tão maduro", diz.

Quase um pai

Norival do Prado, 47, tem seis filhos e três netos. Mas ele sempre passou mais tempo com os filhos dos outros que com os seus. A razão disso é profissional: Prado é motorista particular.
Em 15 anos de trabalho, ele já cuidou até de um bebê. "Nas festas, enquanto minha antiga patroa conversava com as amigas, eu balançava o carrinho do bebê", conta.
Há um ano, o motorista trabalha para a arquiteta Nórea De Vitto e sua função é atender os três filhos dela: Maria Eugênia, 8, Pedro, 6, e Rafaela, 4.
Prado e quase um pais para essas crianças, passa o dia inteiro com elas. É ele quem as leva à escola, às festas, ao cinema, passeia no shopping, faz compras etc.
"Prado é fundamental para nós, é um amigo fiel. Se eu não estou presente, meus filhos ficam tranquilos com ele. Ele é considerado um membro da família", afirma a mãe.
Para Nórea, "o motorista não é mais apenas um motorista, tornou-se um secretário".
O pai, o publicitário Cássio Clemente, concorda: "Ele não substitui o pai, mas muitas vezes é um exemplo para as crianças, já que passa muito tempo com elas. Por isso tem de ser alguém da máxima confiança".
Se Prado não pode ser considerado um segundo pai, pelo menos ele diz que tenta fazer o melhor. "Quando estou com as crianças tenho cuidado redobrado. Além disso, tenho muita afeição por elas. Sei também que elas gostam bastante de mim."

Carlos Guimarães e Giovanna
Carlos Roberto Guimarães tinha 16 anos quando soube que sua namorada, então com 17, estava grávida. "Foi um choque. Sou o caçula em casa, tenho três irmãos casados, nenhum deles tinha filhos, fui o primeiro", diz.
Passado o choque, a primeira providência foi arrumar um emprego. Depois, não casar, apenas continuar namorando.
Giovanna tem hoje dois anos e mora com a mãe. "Fico com ela cinco horas por dia e nos fins-de-semana."

Produção independente
O cantor Latino, que estourou em 95 nas rádios AM do país com os hits funk-românticos "Me Leva", "Não Adianta Chorar" e "Só Você", sempre teve o sonho de ser pai de uma menina.
"Queria uma filha para regravar aquela canção famosa dos anos 60 de mesmo nome, Diana." (A versão brasileira fez sucesso no Brasil com Carlos Gonzaga).
No ano passado, cansado de esperar por um relacionamento sério, resolveu propor a sua ex-namorada que tivessem um filho, mas num esquema de produção independente.
"Ela topou e tudo deu certo. Deus me ajudou a realizar o grande sonho."
Hoje Latino é pai de Diana, um bebê de 4 meses, e em seu novo disco, sucessor do "Marcas de Amor", já está gravada a faixa "Diana".
A menina mora com a mãe, mas as duas estão sempre visitando o pai, ou no sítio do cantor em Jacarepaguá, ou em sua casa no Rio.
Latino diz que os pais de Diana não pretendem tentar um novo relacionamento. "Nós já tínhamos morado juntos, mas descobrimos que não tem mais a ver. Hoje somos apenas amigos", conta Latino.
O cantor hoje prefere curtir a vida de "single". Só abdicaria dela pela modelo Ana Paula Arósio, por quem tem uma paixão platônica.

Rodeado por mulheres
"Tenho um exército feminino em casa", diverte-se Iso Milman, 46. Fora a mulher, ele tem nada menos que quatro filhas: Pérola, 21, Suzana, 20, Júlia, 17, e Diana, 12. "A gente sempre tem aquela idéia de que o filho homem levaria o nome da família. Se bem que a gente vive em outro tempo..."
Iso afirma que na verdade ele gostaria de ter filhos de ambos os sexos: "Se fossem só filhos homens eu ia querer ter uma filha".
"Adorei ter todas as minhas filhas, mas gostaria de ter passado pela experiência de criar um filho homem, pelo fato de poder ter contato com uma pessoa mais parecida comigo, com o modo masculino de pensar".
Iso afirma que, como já estão na adolescência, as filhas já têm namorados. "É um interesse bem feminino, às vezes me sinto isolado: tem um tititi do qual eu não faço parte..."

Paternidade virtual
Fernando Azpeitia (nome fictício), 27, poderá ser pai de até cinco bebês sem nunca vir a saber disso. Ele resolveu doar esperma para o banco de sêmen do Hospital Albert Einstein, onde já era doador de sangue.
Para ser aceito, Fernando teve que fazer uma série de testes de sangue, comprovar que não tinha nenhuma doença e ter uma boa concentração de espermatozóides. A média na população masculina é de 20 milhões por mililitro. O doador deve ter pelo menos o dobro.
Fernando foi aprovado em todos os exames e agora poderá ser escolhido por até cinco mulheres que gostem de sua ficha, com informações sobre seu tipo de pele, cabelos, ascendência e hobbies.
"Estipulamos a cota de cinco para evitar futuros encontros entre irmãos", explica a médica Vera Feher, coordenadora do banco.
Depois da doação, Fernando não poderá saber mais nada sobre o destino do seu sêmen, mas ele diz não ter curiosidade. "Eu procuro não pensar muito sobre isso."

Eu, pai?
Armando Fontenele Júnior, 27, não pretende ter filhos. Foi casado por três anos: "Minha mulher fazia uma pressão muito grande para termos um filho. Foi a gota d'água para nos separarmos. A vontade dela era tanta que 11 meses depois ela estava morando com outro e deu à luz uma filha".
"Em primeiro lugar, não tenho paciência com criança, não ia ser legal nem para mim e nem para o meu filho; acredito que não daria toda a atenção necessária."
Armando é reticente porque considera que filho tira um pouco da liberdade: "Não ia poder sair quando quisesse. Onde for, tem que levar; as outras pessoas também não têm paciência".
"O legado que uma geração deixa para a outra fica cada vez pior. Meu filho iria receber um mundo em condições sociais e ambientais piores do que eu recebi", acrescenta.

O "pai-padrasto"
"O pai sou eu", garante Vicente D'Agostini, 71, padrasto de Rosângela e Roseli. "Permiti que elas estudassem e casei as duas". "A Brenilde, mãe das meninas, trabalhava na minha loja. Por isso, sempre convivi com as meninas."
Quando Brenilde se desquitou, ficaram quatro anos juntos antes de casar: "Casamos, porque eu não queria que elas me apresentassem como 'o amigo da minha mãe'".
Vicente, que tem um filho do primeiro casamento, diz que foram as filhas que ele não teve. "Ter filhas é coisa fora do sério: adoro elas e elas me adoram, além de sempre terem me respeitado."
Vicente tem uma "netinha", Nastacha, de sete meses, filha de Roseli, e vai ser "avô" pela segunda vez, porque a outra, Rosângela, está grávida.

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