São Paulo, terça-feira, 6 de agosto de 1996
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Lei de rodízio, racismo e "Playboy" com ágio

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Todos sabemos que a justiça é por si mesma impotente, como disse um filósofo. Que o que impera por natureza no mundo é a força, que só por meio da força a justiça impera e que o máximo que podemos esperar é que a força se mantenha ao lado da justiça.
Mas vejamos como as coisas funcionam no Brasil. Basta uma receita para ganhar R$ 15.000 por um show de música, como faz o compositor de música popular Tiririca. Basta dizer, como ele, que mulher negra fede e tem cabelo de Bombril. O grande poder de penetração da música popular já levou Tiririca, e sua canção de acalentar e alimentar racistas, ao seio das escolas brasileiras.
O magote de disparates inventados pelo cantor recebe inclusive apoio de certa intelectualidade brasileira, que se levanta nessa hora em defesa da "liberdade de expressão artística". Arte? Desde quando esse tipo de música pode ser chamado de arte? Também há comentários do tipo: "se é para proibir, que sejam proibidas também as marchinhas de Carnaval de antigamente".
O país é puro atraso. Hoje não é antigamente. E as marchinhas de Carnaval, os sambas do crioulo doido, são todas racistas. Não foram proibidas na época porque o Brasil era atrasado. Quanto à alegação de que o racismo não deve ser combatido com paternalismo de Estado, mas sim pela educação da sociedade, a solução é pintar de preto, da cabeça aos pés, os defensores da "liberdade de expressão artística" e atirá-los numa situação de apartheid sul-africano por alguns dias. Depois é ver o que eles dirão da "educação" social contra o racismo.
A apreensão judicial do disco de Tiririca deveria acontecer em cada loja de cada esquina do país. Deveria ser comemorada como uma vitória da sociedade e da lei contra o crime.
Se justiça fosse feita, o compositor seria preso e a milionária gravadora Sony obrigada a pagar uma indenização por perdas e danos senão à sociedade como um todo, às crianças negras que serão as vítimas dessa imbecilização racista.
País atrasado. O caso do rodízio obrigatório para carros em São Paulo é exemplo típico desse atraso, revestido de uma máscara de modernidade e de uma falsa aura de "ação pelo interesse coletivo".
Já está provado que o rodízio é pouco ou nada eficaz. Mesmo assim, é obrigatório. Ora, mas não é inconstitucional? Não fere a liberdade de ir e vir? É claro que o rodízio interessa à política e não ao ar de São Paulo. O que está em jogo é a autopromoção de políticos do PSDB à frente da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
Por essas e outras é que a Constituição brasileira parece um conjunto de abstrações cheio de brechas que qualquer criança sabe burlar. Os três meninos da minha família (de 10, 8 e 7 anos) me confessaram outro dia que estão comprando a revista "Playboy" na banca de revista.
Como a venda é proibida para menores de idade, eles combinaram com o jornaleiro de pagar um ágio de R$ 5,00 para ter direito à saborosa leitura. Os meninos descobriram, enfim, o país onde nasceram.

E-mailmfelinto@uol.com.br

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