São Paulo, terça-feira, 6 de agosto de 1996
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Trapalhadas cambiais: o retorno

LUÍS PAULO ROSENBERG

Na semana passada a diretoria do Banco Central brindou o país com mais um de seus espetáculos de despreparo para enfrentar situações de crise.
Na verdade foi até pior: na tentativa de acalmar os mercados, o BC foi o agente provocador de uma turbulência perfeitamente evitável.
Tudo começou com a demissão de Cavallo. Menem revelou-se um churrasqueiro impecável ao assar seu ministro-problema, o que já nos permitia prever, durante o fim-de-semana passado, que os mercados reagiram até com indiferença à sua substituição.
Mas, como cautela em excesso não faz mal, nosso BC resolveu mobilizar-se para reagir, logo na segunda-feira pela manhã, a qualquer ameaça de efeito "parrillada". Até aí, só louvores.
E o que deveria fazer uma autoridade monetária tranquilizadora? Transmitir aos mercados a sensação de normalidade, "business as usual", temos reservas suficientes e controle da situação, nada há a temer.
Pois bem, começam a operar os mercados de câmbio, juros e Bolsas: serenos, tendo recebido com naturalidade a troca de Cavallo por Roque Fernández e esvaziando a ameaça de crise. Os investidores são então surpreendidos pela decisão da mesa do BC de desvalorizar o câmbio naquela manhã num percentual duas vezes maior do que o usual.
Verdadeiros amadores portando os obuses de defesa dos dólares da reserva do país, na falta de inimigos para exterminar, os geniozinhos no comando do BC atiraram nos próprios pés: afinal, se banqueiros e empresários estavam tranquilos, comprando e vendendo dólares como de habitual, por que o BC demonstrou fraqueza, acelerando a desvalorização do real? Por que revelar seu temor de um ataque às reservas que não se consumava?
A partir dessa intervenção desastrada, as taxas de câmbio projetadas pelo mercado começaram a subir, na expectativa de uma mudança de política cambial, provocando corrida às reservas do BC, exatamente o que se queria evitar.
No dia seguinte, quando quase todos esperavam a continuidade da política de redução gradual dos juros, outro susto: o conselho encarregado de fixar a taxa-base para agosto repetiu o mesmo nível de julho.
Mais pânico é gerado pelo inesperado gesto das autoridades monetárias: por que os juros não continuavam a cair, perguntavam-se todos? Para viabilizar a aceleração das desvalorizações cambiais sem tornar o Brasil menos atraente para os aplicadores estrangeiros, alegavam alguns. Porque daqui em diante acabou o compromisso com a queda dos juros, procuravam justificar outros.
O resultado foi nova disparada do dólar e também dos juros. O ridículo da situação é que enquanto na Argentina de Cavallo vivia-se uma semana normal, aqui a incerteza produzida pelo próprio BC criava uma histeria que exportava boatos de maxidesvalorização até na Argentina.
O mais grave, porém, ocorreu no dia em que o tal conselho governamental que fixa a taxa de juros iria se reunir para decidir promulgar a surpreendente taxa de juros básica. No final do expediente daquele dia, antes mesmo do início da reunião, duas instituições financeiras repentinamente decidiram apostar milhares de reais na tese então julgada maluca de que os juros de agosto seriam fixados no mesmo nível dos de julho. Ganharam rios de dinheiro em minutos. Ou tinham acordo operacional com Mãe Dinah ou trata-se de mais um escândalo do colarinho branco.
Como ao BC deve aplicar-se a mesma norma comportamental da mulher de César -não basta ser honesto, tem que parecer honesto- seria o caso de se promover uma investigação para identificar quem atuou como se já soubesse da decisão antes dela ser divulgada e punir os eventuais privilegiados por vazamentos de informação.
Seria bem mais construtivo se a autoridade monetária assim agisse, em vez de acusar a Bolsa de Mercadorias & Futuros pelo pânico que o BC provocou. Um absurdo semelhante a Zagallo culpar as arquibancadas pelo vexame frente à Nigéria.

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