São Paulo, terça-feira, 6 de agosto de 1996
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Promessas de FHC podem virar blefe

ALOYSIO BIONDI

Há 35 dias, no começo de julho, o presidente FHC anunciou solenemente a política agrícola de 96, em busca de "grandes safras". Até hoje, os empréstimos para os produtores não começaram a ser liberados.
Motivo: uma "briga" entre o Ministério da Fazenda e o Banco do Brasil, em torno dos juros a serem cobrados à agricultura. A questão é simples: como o país está sem estoques de alimentos, o governo decidiu reduzir os juros para a agricultura, e, assim, estimular o plantio.
O produtor pagará somente 12% ao ano, contra a faixa de 30% a 40% ao ano que os bancos vêm cobrando nos empréstimos normais à indústria e ao comércio. Para reduzir os prejuízos ao BB (e bancos privados), o Tesouro deverá pagar uma parte daquela diferença, que varia de 18 a 28 pontos percentuais.
E é aí que surge a "guerra": o Ministério da Fazenda quer pagar no máximo 5% de diferença, e o BB alega que esse índice lhe trará grandes perdas (até porque parte do dinheiro emprestado aos agricultores vem da caderneta de poupança ou outras aplicações, pelas quais o BB paga juros).
Quem tem razão? Em qualquer país do mundo, quando o governo decide dar apoio a um setor, com juros, tarifas etc. favorecidos, cabe ao Tesouro bancar essa política.
No Brasil, bancos e empresas estatais têm sofrido imensos prejuízos -formando-se uma imagem injusta de "ineficiência"- porque as equipes econômicas os obrigam a cobrar juros antieconômicos, ou vender produtos com prejuízos (caso do aço, antes da privatização, ou da nafta, matéria-prima vendida com prejuízo pela Petrobrás). É esse comportamento que a equipe FHC repete, tentando empurrar novos prejuízos ao BB.
Dinheiro existe
O Brasil precisa desesperadamente de uma grande safra em 96/97, para reduzir importações e, principalmente, para abrandar a alta dos preços dos alimentos, puxadas pela brutal redução dos estoques mundiais. A agricultura, como esta coluna apontou no último domingo, pode ainda funcionar como o "motor de arranque" para tirar o país da recessão -e criar empregos.
Por tudo, confirma-se a necessidade de o presidente FHC acompanhar pessoalmente a política de apoio à agricultura, para evitar "impasses" que se arrastam durante meses -e acabam prejudicando o plantio.
A equipe FHC/BNDES nega recursos a setores vitais, como a agricultura, sob a alegação da necessidade de conter os gastos do Tesouro e reduzir o déficit público.
No entanto, se o presidente FHC se debruçar sobre os dados do próprio Ministério da Fazenda, vai verificar que seu governo, somente em 96, é devedor de pelo menos R$ 4 bilhões aos produtores agrícolas. Como assim? Os empréstimos para a comercialização de safras (EGFs) foram 20 vezes menores do que em 95, mal chegando à ninharia de R$ 80 milhões, até começo de julho, contra R$ 1,8 bilhão no ano anterior.
E, mais ainda: o governo faturou, no mínimo, R$ 2 bilhões com a venda de estoques de alimentos. Esse dinheiro pode e deve ser devolvido à agricultura, sob a forma de empréstimos. Para plantar, céus. Ou o presidente FHC interfere na questão, ou suas promessas de apoio ao agricultor virarão blefe. De novo.
Vício velho
Em outubro de 95, o governo fechou o acordo para renegociação das dívidas dos agricultores. Isso, após mais de um ano de negociações. No entanto, a equipe FHC/BNDES quis impor um esquema tão prejudicial ao BB que sua direção tentou reagir. O impasse durou meses.
Sem plantar
Os produtores com dívidas em atraso não podiam tomar novos empréstimos para plantar, no final de 95 -garantindo boas safras em 96. Com o impasse criado pela equipe FHC, os acordos somente começaram a ser assinados depois de março de 96. As colheitas tiveram queda. Os estoques acabaram.
Velho vício
Relembrando: no ano passado, o presidente FHC anunciou R$ 1 bilhão para serem emprestados às 5 milhões de famílias de pequenos produtores. A equipe econômica liberou somente R$ 250 milhões. O BB, com exigências excessivas, emprestou somente uns R$ 30 milhões. Na promessa, R$ 1 bilhão. Na realidade, R$ 30 milhões. Tem sido assim o massacre da agricultura brasileira.

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