São Paulo, terça-feira, 6 de agosto de 1996
Próximo Texto | Índice

Schnabel defende seu "Basquiat"

ADRIANE GRAU
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM SAN FRANCISCO

Desde os anos 80 o artista plástico Julian Schnabel se encarrega de surpreender mídia e público com atitudes inusitadas.
Primeiro forrou as paredes das mais badaladas galerias de arte de New York com telas enormes pintadas com tinta a óleo e pratos quebrados. Depois, lançou a moda de usar pijamas em público. Seu traje perfeito até hoje.
Se aventurou pela música e gravou o disco "Every Silver Lining has a Cloud". Comprou um prédio industrial de 15.000 pés quadrados no Greenwich Village, onde vive cercado de filhos, e teve obras adquiridas por museus como o de Arte Moderna de New York ou Centro Georges Pompidou de Paris, Galeria Tate de Londres e Metropolitan Museum de Tóquio.
Sua estréia como diretor traz ao público "Basquiat", que conta a vida de Jean Michel Basquiat. Este, que foi seu amigo íntimo, era um imigrante haitiano que conquistou as graças dos arteiros de NY em 1981, aos 19 anos; tornou-se o melhor amigo de Andy Warhol, namorou Madonna e morreu de overdose em 1988, aos 26 anos.
Para falar sobre o filme Schnabel senta-se à vontade no sofá adamascado. Em vez de pijama, veste apenas um roupão atoalhado todo puído na gola e nos punhos.
*
Folha - Você e Basquiat eram amigos íntimos?
Schnabel - Nos dávamos bem, com altos e baixos. Em alguns momentos estávamos mais próximos, depois nos afastávamos. Havia uma competição amistosa.
Folha - Vocês chegaram a trabalhar juntos?
Schnabel - Recortamos rostos em abóboras uma vez, durante o Halloween. Depois que terminamos não conseguia mais achar a minha abóbora e descobri que ele levou para casa, embrulhada no casaco.
Folha - Você se sentiu a vontade para retratá-lo no filme?
Schnabel - Por acaso eu pareço ser o tipo de cara que se sente desconfortável? Achei que era meu trabalho retratá-lo no filme e foi isso que tentei fazer. Tentei me apegar as minhas memórias. Como ele era, o que o incomodava e, principalmente, como as pessoas reagiam a sua presença.
Folha - O personagem Albert Milo, interpretado por Gary Oldman, é inspirado em você? Por que você usou outro nome?
Schnabel - Acho que fiz tantas coisas no filme que dar meu nome me pareceu um excesso.
Folha - Mostrar o mundo da arte de dentro para fora não poderia criar preconceitos?
Schnabel - Acho que não ofendi ninguém; homenageio alguém em cujo trabalho as pessoas acreditam e por isso será bom para o mundo das artes. Não é visão de alguém que apenas debocha.
Folha - E é uma visão fiel ao espírito dos fatos?
Schnabel - É o meu mundo. Se eu mentir não posso nem fazer como as pessoas que traem a máfia, contando tudo para a polícia e tem que mudar de nome e de vida. Sou muito conhecido para isso.
Folha - Vê-se que uma de suas obras mais famosas, "The Conversion of São Paolo Malfi Near Rome" foi feita para um amigo que morreu num acidente de moto. O filme foi dedicado a Joe Glasco, que morreu recentemente e é sobre Basquiat. Parece que dedicar obras a amigos que já se foram faz parte de seu processo criativo...
Schnabel - Penso que ser artista tem tudo a ver com entender arte em termos de nossa morte. Dediquei estes trabalhos a tais pessoas porque eles ajudaram a tornar minha vida mais cheia de sentido.
Folha - Como foi conseguido um elenco de tantos famosos?
Schnabel - Courtney Love soube que eu estava fazendo o filme e perguntou se podia fazer parte. David Bowie eu já conhecida e achei que era perfeito para o papel. Christopher Walken tem um papel pequeno. Mas acho brilhante. Ninguém sabe como era Jean Michel, então Jeffrey é perfeito.
Folha - É mais difícil ser pintor, compositor ou diretor?
Schnabel - Não é difícil dirigir um filme. É apenas trabalho duro. Editar é parecido com raciocinar e parecido com pintar. Trabalhar com outra pessoas durante o processo tira a pureza da intenção original do trabalho solitário.

Próximo Texto: Pintor não estava pronto para o sucesso
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.