São Paulo, quinta-feira, 8 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os caloteiros e a reforma agrária

JOÃO PEDRO STÉDILE

No dia 5 de agosto, realizou-se uma reunião do Conselho do Comunidade Solidária dedicada inteiramente a debater como se poderia acelerar a reforma agrária. Coordenada pela dra. Ruth Cardoso, dela participaram os ministros da Reforma Agrária, da Casa Civil e representantes dos ministérios da Fazenda e da Agricultura, do MST, Contag, PNBE/SRB e CNBB.
Sobre a reunião, a imprensa preferiu dar destaque à minha afirmação de que, se não houvesse aceleração do processo de transferência das fazendas dos caloteiros hipotecadas pelo Banco do Brasil, o MST iria ocupá-las.
A declaração teve repercussão porque deram a entender que ocuparíamos terras produtivas. Não é esse o caso. Há centenas de produtores rurais inadimplentes com o Banco do Brasil. A maioria deles, em função da crise da agricultura e das exorbitantes taxas de juros.
O governo fez um acordo de renegociar a dívida desses produtores até R$ 500 mil. Mas há outros, aproximadamente 1.230 grandes latifundiários, que devem somas individuais acima de R$ 500 mil e, notoriamente, desviaram esses recursos da atividade agrícola. Eles têm uma dívida acumulada de mais de R$ 2 bilhões. O Banco do Brasil possui o penhor das terras, que, aliás, nem cobrem a dívida total desses caloteiros, tal o mau uso do dinheiro. Em nossos cálculos, estimamos que, se o governo recolhesse essas terras, poderia ter mais de 1 milhão de hectares, sem custos, para a reforma agrária.
A proposta que apresentamos ao governo, aplicada muito lentamente, é de indenizar os fazendeiros-caloteiros com TDAs (Títulos da Dívida Agrária).
Esses títulos são automaticamente entregues ao Banco do Brasil como pagamento das dívidas, e as terras, destinadas para assentamento. Posteriormente, tanto o Banco do Brasil irá resgatar, ao longo dos anos, esses títulos no Tesouro, como os assentados pagarão pelas terras. Uma solução simples, que resolve o problema dos inadimplentes, do Banco do Brasil, do Incra e dos sem-terra.
Do que estamos reclamando? Do processo estar muito lento, pois o governo precisa fazer um mutirão, reunindo técnicos e procuradores de vários órgãos para agilizá-lo. Processo que não envolve recursos e contribuiria muito para resolver o problema social dos acampados.
Enquanto isso, todas essas terras dos latifundiários inadimplentes estão completamente improdutivas, pois estão penhoradas pelo Banco do Brasil. Além disso, a maior parte desses recursos do crédito rural, desviados pelos caloteiros, era do Tesouro nacional, portanto públicos, e a sociedade precisa recuperá-los.
O que nós denunciamos é que, no caso dos pequenos produtores, o Banco do Brasil é muito ágil em colocar na justiça e tomar suas terras ou seus bens financiados. Mas os grandes caloteiros nunca são cobrados, pois fazem parte da nossa elite e têm vínculos políticos claros. É por isso que a população costuma dizer que, no Brasil, a lei só atinge os pobres. Quando é para punir os ricos, nunca chega.
Estamos dizendo que a ocupação dessas fazendas de caloteiros é a melhor maneira de acelerar o processo porque todas essas terras estão paradas. Portanto, por lei e por necessidade social, é importante e necessário que voltem a produzir.
Denunciamos essa situação desde o ano passado, mas o governo só agiu em casos concretos depois que ocupamos as terras. Assim foi em Pernambuco, com a fazenda Safra e a fazenda da Varig, ambas inadimplentes. Antes de ocuparmos, nem o Incra nem o Banco do Brasil se lembraram de oferecê-las para assentamento.
Foi preciso que ocupássemos. Só então iniciou-se o processo de assentamento, que resultou na entrega de mais nove áreas inadimplentes para os sem-terra. Além dessas áreas, localizadas na beira do rio São Francisco, isso ocorreu com as fazendas Varig e Capela, no Rio Grande do Sul, e é assim que será feito com relação à fazenda Pomasa, em Friburgo (SC).
Nós saímos otimistas da reunião do Conselho do Comunidade Solidária porque o ministro anunciou que o governo está pensando em estender esse processo também para os latifundiários inadimplentes com bancos estaduais e privados. E mais, o ministro da Casa Civil sugeriu fazer em forma de leilões por computadores para acelerar essas negociações e evitar que os caloteiros, mesmo na hora de acertar a dívida, supervalorizem suas terras.
Temos certeza de que cada fazenda desses caloteiros que for destinada à reforma agrária voltará a produzir. Essa medida receberá amplo apoio da sociedade brasileira, que está cansada de ver a lei funcionar apenas para pobres e pequenos.
Por último, gostamos da reunião, pois pudemos aprender com a dra. Ruth Cardoso, que, entre outros ensinamentos, pregou que "fazer política é o jogo das pressões".

Texto Anterior: Nova visita da velha senhora
Próximo Texto: Ladrão que rouba ladrão...
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.