São Paulo, sexta-feira, 9 de agosto de 1996
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ABC da física

OTÁVIO BUENO

Consiste simples truísmo afirmar que a ciência, ao longo dos séculos, tem modificado, de forma radical, não apenas o modo de concebermos o mundo à nossa volta, mas também, em virtude dos desenvolvimentos tecnológicos que frequentemente a acompanham, a face desse próprio mundo e de nossa forma de vida nele. Parece natural, então, supor que o público leigo possua curiosidade em conhecer um pouco mais sobre a própria ciência, suas teorias, seu desenvolvimento, sua história. Nesse caso, dado o papel de destaque que possui no labirinto de disciplinas que compõem o conhecimento científico, um bom roteiro poderia iniciar-se pela física.
A tarefa deste "Convite à Física" consiste justamente em introduzir, de maneira elementar, esse público a algumas propostas elaboradas para compreender certos aspectos dos fenômenos naturais. Um de seus principais méritos reside sobretudo na abordagem adotada.
Organizado tematicamente, o livro explora o desenvolvimento histórico das teorias físicas ao longo de três grandes épocas: a da física "antiga" (do período pré-socrático ao século 15), a da "clássica" (que se estende entre os séculos 16 e 19) e da "moderna" (que se confunde com nosso próprio século).
Semelhante abordagem possibilita ao autor salientar as motivações heurísticas subjacentes à formulação de novas teorias, indicando, em particular, sem todavia examinar suas implicações, a natureza de alguns fatores envolvidos na mudança científica (a busca de teorias com maior poder de explicação, que possibilitem uma descrição unificada dos processos naturais, que possuam interpretações físicas aceitáveis etc.). Desse modo, o leitor é conduzido, de forma igualmente elementar, também ao fascinante universo das discussões metodológicas, que sempre acompanharam o próprio desenvolvimento da física.
A maior parte do texto (oito dos 13 capítulos) é dedicada à física clássica. Após breve exame da física antiga, no capítulo inicial, no qual as propostas de Aristóteles e sua recepção na Idade Média são consideradas, apresenta-se a "destruição" do universo aristotélico (com seus elementos, causas e explicações qualitativas dos fenômenos), tal como operada no albor da física clássica, em conformidade com os célebres estudos de A. Koyré.
Examinam-se, a seguir, sob uma perspectiva histórica, o surgimento e a formulação de alguns conceitos básicos e princípios fundamentais da mecânica (sobretudo as noções de espaço, movimento, matéria, força e as leis de Newton), da termodinâmica (calor, trabalho, energia, entropia e reversibilidade), do eletromagnetismo (campo eletromagnético) e da óptica (luz). Os quatro capítulos finais são dedicados à apresentação elementar da emergência da teoria da relatividade e da mecânica quântica, salientando-se, em particular, sua ruptura com alguns aspectos da física clássica.
Ao longo de todo o livro, o autor indica diversos problemas cuja solução ainda se desconhece (por exemplo, questões acerca da natureza do tempo, da possibilidade de se formular uma interpretação não controversa da mecânica quântica e de se encontrar uma teoria que unifique esta última com a própria teoria da relatividade), mostrando como a atividade científica navega em mares nos quais muito há ainda a ser descoberto, como idéias extremadas acerca da natureza do conhecimento (por exemplo, a busca de uma verdade inabalável sobre o mundo) acabaram sendo revistas como resultado do próprio desenvolvimento da física, e como, afinal, esta disciplina constitui-se num domínio cujo convite para ser conhecido não se pode recusar.

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