São Paulo, sexta-feira, 9 de agosto de 1996
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O dilema do Banco do Brasil

MAILSON DA NÓBREGA

Três opiniões nesta semana formam um bom quadro do dilema shakespeariano do Banco do Brasil: ser ou não ser estatal.
No domingo, a leitora Isa Noronha reclamou no "O Globo" contra o prejuízo do BB, defendendo medidas para evitar que o Tesouro faça o que bem entender com o banco.
Para ela, o BB será deficitário enquanto se concentrar na prestação de serviços, não mais privilegiar o crédito à pequena e média empresa, abandonar seus clientes tradicionais e suportar a política agrícola sem garantias do Tesouro.
Na segunda-feira, frei Beto condenou na Folha a liberação das tarifas bancárias. Com ingênuas opiniões sobre bancos, mostrou que no Brasil um especialista nos mistérios da fé pode sentir-se seguro para falar sobre complexos temas financeiros.
Frei Beto, talvez por influência da nossa cultura paternalista, afirmou que banco é serviço público e não pode cobrar tarifas. Por aí, não haveria lugar para banco privado. Se ele estivesse certo, o BB deveria continuar o mesmo.
Frei Beto sugeriu que o governo desse o exemplo, não cobrando serviços no BB e na Caixa Econômica. Ambos precisariam, nesse caso, do Tesouro para cobrir os custos.
A terceira opinião veio na Folha de domingo com o artigo de Celso Pinto. Ele botou o dedo na ferida, indicando o drama do banco: como provar sua necessidade.
Seu diagnóstico é preciso: quanto mais público for o BB, mais longe estará da recuperação de sua rentabilidade e prestígio. Quanto mais se guiar por critérios dos bancos privados, menos conseguirá justificar sua existência.
Para continuar público, deveria manter agências deficitárias, restaurar o crédito barato à agricultura e às pequenas e médias empresas e a assistência financeira a certos segmentos da agroindústria.
As glórias do passado seriam revividas. Elas decorreram, em parte, da excelência do seu quadro de pessoal, bem remunerado, incorruptível, disciplinado e dotado de princípios éticos weberianos. Muitos desses fatores ainda existem.
Essas glórias eram, também em parte, decorrência de recursos do Tesouro sem custo. Sob variadas formas, o BB tinha acesso a fontes privilegiadas de liquidez, a última das quais, a "conta de movimento" do Banco Central, extinta em 1986. Isso acabou.
O primitivismo desse arranjo institucional teve efeitos nefastos. Todos no banco, eu inclusive em certo período da minha carreira, pensávamos que os recursos eram próprios, o que inibiu o ajuste quando o esquema desmoronou com a crise do Estado.
Com o Tesouro quebrado, precisando recorrer a uma esdrúxula CPMF para a saúde pública, é impossível restabelecer o passado. A sociedade, mais bem informada, não apoiaria esse retorno.
Operar à moda de um banco privado é difícil. Queiramos ou não, a sociedade vê o BB pelas lentes do passado. Os ruralistas exigem dinheiro barato, frei Beto quer serviços de graça e a leitora Isa deseja um banco nos moldes antigos.
O dilema do BB, presente desde os anos 70, foi disfarçado pela "conta de movimento" e depois por um longo período de superinflação, que lhe deu receitas do imposto inflacionário proveniente da aplicação dos depósitos à vista.
A hora da verdade chegou, como disse o banco ao justificar o prejuízo. Os ajustes necessários para viabilizá-lo sem o apoio do Tesouro são, todavia, impensáveis no momento.
É impossível, por exemplo, a remuneração variável para atrair e reter talentos. Mais do que nunca, os bancos dependem de recursos humanos motivados e recompensados pelo desempenho, mas isso não existe na política do governo, que o BB é obrigado a seguir.
Há também custos que os concorrentes não têm, como a sede em Brasília, a fiscalização do Tribunal de Contas, a descontinuidade administrativa e as complicadas regras de concorrência pública.
Enfrentar os prejuízos e a demissão voluntária foi correto, terá inegável efeito pedagógico e mostrou que há saídas para o dilema. Não tenhamos, contudo, a ilusão que é certo ou fácil.
PS: Na terça-feira, uma quarta opinião, absurda, surgiu na Folha: o MST acha que pode invadir fazendas produtivas se os proprietários forem devedores do BB. Não há espaço para comentá-la, nem isso mudaria a conclusão deste artigo.

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