São Paulo, sexta-feira, 9 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A reforma tributária

ODMIR FERNANDES; CARLOS HENRIQUE ABRÃO

ODMIR FERNANDES
CARLOS HENRIQUE ABRÃO
O prenúncio da sistemática revisão do modelo tributário ressoa inadiável para a saúde econômico-financeira do Plano Real diante das inelutáveis barreiras provocadas pela redução do crédito e aumento substancial das taxas de juros.
Isso está promovendo uma quebradeira generalizada nas empresas que desenvolvem suas atividades ao longo de vários anos, formando clientela, grupo de fornecedores e tendo a necessidade de abdicar da classe dos empregados, relevando significativamente o desemprego.
Fruto da política implementada pelo conjunto econômico consubstanciado no Plano Real, a maioria dos Estados e municípios não tem sequer reserva monetária hábil para o pagamento dos funcionários e despesas com obras emergenciais, gerando auxílio da União, que não tem mostrado macrovisão a respeito das imprecisões no campo tributário.
Banalizados pela crescente evasão, fraude, sonegação e outros expedientes comumente utilizados para o não-recolhimento dos tributos, os empresários e as empresas pedem um basta para aquilo que costumaram considerar o desperdício do dinheiro que não tem o retorno esperado.
Contando com mais de 50 tributos diretos e indiretos, o sistema nacional se revela claudicante, incidindo enfaticamente sobre a renda e serviço, nada ou pouco se importando com o patrimônio das intituladas radiografias diagnosticando sinais exteriores de riqueza, vinculando uma massa de trabalhadores e demais prestadores de atividades econômicas, sem tocar no cerne da questão, aliás, como pretendia o então senador Fernando Henrique Cardoso, na sua concepção envolvendo grandes fortunas.
A metodologia em tramitação no Congresso Nacional no sustentáculo da reforma prioriza, dentre outras coisas, a extinção do IPI e sua substituição pelo ICMS, com a divisão do bolo da arrecadação entre União e governos estaduais. Passa o ICMS a ser exigido na destinação da mercadoria.
Preconiza-se a perspectiva da quebra do sigilo bancário, na previsão da legislação complementar. Somente haverá processo de cobrança da dívida ativa na hipótese do exaurimento da etapa administrativa. O empréstimo compulsório não ficará sujeito ao princípio legal da anualidade.
O ITR ficará sob competência política dos municípios, enquanto o IPTU terá máxima alíquota cuja fixação dependerá do Congresso. O provento do ICMS ligado ao recolhimento da venda de combustíveis terá disciplina visando a melhoria das estradas federais e assim por diante, numa catalogação bastante extensa das medidas que permitam uma nova visão do Estado em terreno assaz arenoso.
Ao ensejo de completar 30 anos de sua vigência, o Código Tributário Nacional, e ainda a Lei de Execuções Fiscais, contando com 15 anos em vigor, necessitam, ao lado das amplas reformas, de alterações que viabilizem as etapas administrativas desde o lançamento, seguindo pela mais relevante, que diz respeito à execução fiscal.
De fato, a começar pela elaboração da norma tributária, passando pela sua interpretação, alcance, irradiando seus efeitos no terreno da fiscalização e atingindo a cobrança judicial do tributo, reputamos que teleologicamente há necessidade da revisão completa, sem o que, a simples reforma da nomenclatura esbarrará na delonga a exigir o crédito em juízo, com a peculiar dificuldade de alcançar o patrimônio do devedor inadimplente ou insolvente.
A revolução deve ser imediata e geral, sem paliativos ou meios-termos, isso porque, muitas empresas dão sinais visíveis da impossibilidade de fazer o recolhimento com a diminuição dos lucros, operacionalizada quer pela globalização, incentivos fiscais, concorrência de mercado, dumping e outros instrumentos que refogem da fiscalização do próprio Cade.
Dentro desse prisma de visão, interessante seria a criação de um seguro de crédito tributário, onde as empresas contratariam esse tipo de cobertura junto a terceiros, notadamente quando se executa o transporte da mercadoria, e, comprovada a impossibilidade de pagar ou vindo o estado de quebra, automaticamente a empresa de seguro liberaria a soma em prol da entidade credora.
Justifica-se a implantação da circunstância, ante as elevadas somas que os poderes públicos perdem, não apenas pela instabilidade geral das empresas, mas pelo esvaziamento patrimonial dinâmico em face da cobrança estática da dívida ativa.
Enfim, para que se consiga uma justiça tributária, é indispensável que o Estado veja a reforma sob a ótica do contribuinte, não sob a sua própria, de querer arrecadar, pondo de lado seu intervencionismo e criação de obrigações durante o exercício fiscal, trilhando reduzir o rombo do Tesouro público, a ineficiência dos meios de fiscalização e da exigibilidade judicial do crédito.

Odmir Fernandes, 42, juiz de direito, é coordenador do setor de anexos fiscais da capital, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Carlos Henrique Abrão, 36, é juiz de direito e doutor em direito comercial pela USP (Universidade de São Paulo).

Texto Anterior: O dilema do Banco do Brasil
Próximo Texto: Inflação mexicana é a menor desde 94
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.