São Paulo, sexta-feira, 9 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Que vengam los macacos!

JOSÉ SARNEY

"Clarín", um dos mais antigos e mais prestigiosos órgãos de imprensa da Argentina, fundou um jornal novo: "Olé!". Aproveitou a possibilidade do enfrentamento de Brasil e Argentina na Olimpíada e o mancheteiro não resistiu à provocação que tem o sabor dos anos 30.
O ruim é que órgãos da nossa imprensa dessem uma dimensão política a uma irreverência de jornalista que deseja firmar e vender um novo jornal.
Outro dia, também, os macacos ficaram envolvidos numa polêmica nada confortável: um anúncio da Coca-Cola colocava um macaco bebendo o refrigerante num carro sedutor com algumas beldades pecaminosas.
Foi o necessário para que o presidente do Ibama determinasse que a propaganda saísse do ar, pois se tratava de uma ofensa aos macacos, crime previsto na Constituição.
O nosso lamento é que o presidente do Ibama argentino não tenha tomado as mesmas medidas, pois os ofendidos eram os macacos comparados a jogadores que tinham se desempenhado tão mal e provocaram a ira do povo. Mas o órgão de defesa ecológica argentina bobeou e os jornais brasileiros não. Em vez de defenderam os macacos, saíram para uma de achar que chamar de macacos era uma ofensa grave.
E o meu querido amigo, inteligente e arguto embaixador do Brasil em Buenos Aires, Marcos Azambuja, também revoltou-se e protestou em termos diplomáticos, mas firmes. Menos ofendido fiquei eu quando uma vez, com arguta análise, ele observou que o Brasil era um país de sorte, pois atravessara vários presidentes macacos.
A verdade é que durante séculos as elites argentinas e brasileiras criaram a tese de que éramos países antagônicos, e as hipóteses de guerra desenvolvidas em nossas academias militares eram todas sobre esse confronto que viria um dia. Eu e Alfonsín resolvemos acabar com isso e acabamos. Os nossos povos são destinados pela geografia e pela história a viver juntos e em plena paz e alegria.
Infelizmente, aquilo que lembra brincadeiras que são comuns entre Estados ou cidades e torcidas de clubes foi manchado pela morte de um brasileiro em Buenos Aires. Um caso que aponta para aquela violência hoje tão frequente nos campos de futebol e entre as torcidas, em todo o mundo.
Foi um caso que chocou tanto o povo irmão argentino como os brasileiros e que teve o repúdio de todos nós. Que o episódio não traga conotações políticas, que são coisas do passado.
Outro dia, estávamos reunidos em Vancouver, um grupo de argentinos e brasileiros, e ficamos a contar piadas uns sobre os outros, como fazemos sobre os portugueses, por quem temos mais do que afeto, profundo amor. Um deles definiu o argentino: "Calculem que Jesus Cristo, filho de Deus, em vez de nascer em Buenos Aires foi nascer em Belém. É humildade demais!"
A amizade, o fim das divergências históricas entre Brasil e Argentina, foi a coisa mais importante para o continente neste século. Crescer juntos e os macacos conosco. Respeitemos os macacos. Não vamos acusá-los da perda da medalha de ouro.

Texto Anterior: Questão de vontade
Próximo Texto: Dois pesos e duas medidas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.