São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Shakespeare disse tudo
WALTER CENEVIVA
Considerando a defesa de criminosos, a participação nos explosivos e controvertidos casos de família, as manifestações em favor de figurões da política execrados pela mídia, os advogados são alvos fáceis da crítica. Mas foi o Bardo quem deu a palavra mais dura: "Para resolver os problemas do reino é necessário, em primeiro lugar, matar todos os advogados!" A agressão shakespeariana está na segunda parte do Henrique 6º, posta na voz de um de seus personagens. Foi seguida por número infindável de peças, filmes, anedotas e narrativas que espelham a secular incompreensão com o papel dos advogados. Eles sabem que não há modo de se livrarem das críticas. Persistem na missão de porta-vozes da sociedade, enquanto exercentes do direito de defesa, da garantia da ordem jurídica e da democracia, o que inclui seu trabalho em causas impopulares. Não são os únicos a serem malvistos por uma parte da população. Os médicos que o digam... São muitos os injustiçados pela crítica maledicente. O assistente social? É o profissional, com o qual, sem o qual tudo continua tal e qual. Os arquitetos não são suficientemente homens para serem engenheiros, nem suficientemente "gays" para serem decoradores. Francesc Petit recorda em "Publicidade Ilimitada" a definição de Henry Miller: "Publicidade é a profissão formada de advogados fracassados, escritores frustrados, alcoólatras e artistas decadentes". A advocacia dos Estados Unidos, cujo nível ético parece muito prejudicado, tem sido o alvo predileto das verrinas. Numa camiseta recente, trazida de lá, encontrei 15 perguntas (na frente) e 15 respostas (nas costas) que retratam o sentimento antiadvocacia. Três delas vão adiante. O que acontece quando cem advogados são enterrados na areia até o pescoço? Faltou areia. Por que os tubarões não comem advogados? Solidariedade de classe. Por que todos os advogados foram para a Califórnia e todos os detritos tóxicos para New Jersey? New Jersey teve direito de escolher primeiro. Apesar dessas críticas, em geral os clientes são fiéis a seus profissionais. Continuam por muitos anos. Sabem que podem expor todos os seus problemas em confiança, sem temerem que seus segredos sejam revelados de modo ilícito. É o que sustento em meu livro "Segredos Profissionais" (Malheiros, 160 páginas), no qual discuto o sigilo do advogado, do médico, do bancário e banqueiro, dos funcionários públicos. Há quem estranhe que o advogado ouça segredos de cliente criminoso, mas ainda assim o defenda, silenciando sobre os delitos. Neste mundo tumultuário, a insegurança é tão grave, que muitos prefeririam sacrificar o direito de defesa alheio, em favor da segurança coletiva. É erro a evitar. Os advogados sabem que os níveis éticos de seu trabalho estão rebaixados. Considerando o grande número de profissionais, a forte concorrência, a complicada luta pela vida, a insuficiência do ensino jurídico, o rebaixamento era inevitável. Todavia, apesar desse quadro negativo, a advocacia é -como, aliás, está na Constituição- função essencial da Justiça. É instrumento fundamental para garantir a cada um o que é seu, como convém assinalar na véspera do dia em que se comemora a instalação dos cursos jurídicos no Brasil. Texto Anterior: Código Civil já nasce velho Próximo Texto: Carnaval inaugura avenida em São Paulo Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |