São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
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O milagre asiático: mito ou realidade?

RUBENS RICUPERO

Paul Krugman, professor de Stanford considerado por muitos como o mais interessante e original dos especialistas em economia internacional, provocou uma apaixonada polêmica com o ensaio que publicou no "Foreign Affairs" de fins de 1994 sob o título de "O Mito do Milagre da Ásia".
Com certo amor pelo paradoxo, nele se comparava o atual entusiasmo pelo desempenho asiático à igual admiração que despertava a expansão soviética nos anos 50 e 60. Foi o tempo, lembram-se?, em que Kruschev era levado a sério ao prometer que "enterraria" os capitalistas.
Em ambos os casos, sugere Krugman, o crescimento acelerado se explicaria apenas pelo aumento maciço dos insumos, isto é, por doses cada vez maiores de investimento em capital e mão-de-obra.
Sem ganhos comparáveis em eficiência e produtividade, o crescente emprego de insumos acabaria sendo vítima da lei de rendimentos decrescentes, como sucedeu na União Soviética.
A tese deve talvez ser tomada com um grão de sal. Afinal, o próprio economista de Stanford confessou, em esclarecimento posterior, que seu propósito principal tinha sido "sacudir o que temia estivesse se convertendo num círculo fechado de complacência intelectual".
Não obstante essa admissão de um intuito provocador, o artigo não deixou de ser em parte profético, ao questionar uma experiência que começa a apresentar sinais dos dois sintomas que caracterizaram, em seu tempo, a "doença latino-americana", a saber, a queda das exportações de manufaturas e o agravamento dos problemas do balanço de pagamentos.
A primeira tendência só se tornou perceptível nos primeiros meses deste ano. Após um ano excepcional como 1995, que registrou para o conjunto da área uma expansão de 17% nas exportações, estas começaram a sofrer sensível desaceleração, caindo, por exemplo, de quase 24% a 6% na Tailândia, de 26% para 6,4% no caso das vendas chinesas aos EUA, e quedas apreciáveis, embora menores, nas exportações da Malásia, da Coréia do Sul, de Taiwan e de Hong Kong.
O fenômeno parece estar ligado a quatro razões principais:
1ª) A redução no volume e no valor das exportações de produtos eletrônicos e componentes (alguns tipos de chips sofreram colapso de 60% no preço, lembrando o comportamento de "commodities").
2ª) A maior competitividade japonesa, decorrente da desvalorização do iene ante o dólar.
3ª) Moedas excessivamente valorizadas na Coréia, China e Tailândia (como no Brasil, aliás).
4ª) O enfraquecimento da demanda na Europa, apesar de que este fator deveria ter sido mais do que compensado pela recuperação da economia no Japão e nos Estados Unidos.
A contração das exportações veio agravar um problema preexistente, o do desequilíbrio do balanço de pagamentos. Nos casos mais sérios, como os da Tailândia e da Malásia, o déficit em contas-correntes poderá este ano situar-se acima de 8% do PIB, valor que lembra a situação do México às vésperas da crise de dezembro de 1994.
A analogia com a América Latina se detém por aí, pois em outros aspectos decisivos do desenvolvimento, como as taxas de poupança e investimento, os asiáticos continuam com desempenho próximo do miraculoso. No ano passado, por exemplo, o investimento foi de 38,3% do PIB na Indonésia, 39,5% na China, 40% na Tailândia e 40,5% na Malásia. Isso sem mencionar a diferença fundamental, em termos de inflação e déficits orçamentários muito mais reduzidos do que a média histórica das décadas recentes nos países latino-americanos.
Não se deve tirar conclusão exagerada das dificuldades asiáticas, que são em parte conjunturais e superáveis, em parte reflexo da necessidade de mudanças na estrutura de produção e exportação de economias que começam a sentir a concorrência de países de custos mais baixos como o Vietnã, Birmânia e Bangladesh.
Justifica-se, porém, acompanhar de perto e desde os primeiros sinais qualquer mudança de comportamento em economias que, afinal de contas, são a única prova durável de que o subdesenvolvimento tem cura.
É por isso que todos procuram apreender as lições encerradas no crescimento asiático, mas, como diz provocativamente Krugman, cada um vê na Ásia a imagem de suas próprias idéias. Para alguns, a Ásia demonstra o poder do mercado; para outros, a efetividade de políticas industriais orientadas pelo Estado ou as virtudes do autoritarismo.
Sempre irreverente, conclui: "Pessoalmente, não acho que nenhuma dessas lições seja óbvia. A única lição irrecusável que vejo no crescimento asiático é que uma maneira de conseguir uma boa porção de 'output' é de usar uma boa porção de 'imputs"'.

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