São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
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Trigo: oportunidade para o Brasil

ANTENOR BARROS LEAL

A crise favorece a criatividade. Oferece oportunidade de criar saídas, de elaborar opções que seriam inadequadas em tempo de calmaria.
A situação do mercado mundial de trigo atravessa um momento absolutamente atípico, caracterizado por estoques disponíveis mais baixos do que em qualquer época passada.
Pelo lado da "oferta", vários fatos isolados causaram impressionante mudança. Quebra na safra australiana de 94, desastre na colheita argentina em 95, redução da produção americana (e queda na qualidade) e grandes perdas nos campos canadenses deram sinais de que menos trigo apareceria no mercado.
Já na "procura", a China despontou nos últimos cinco anos como um parceiro imprevisível. Seus 1,2 bilhão de habitantes estão divididos entre os que não comiam trigo, e passaram a comer, e aqueles que, graças ao crescimento econômico, estão se alimentando melhor.
O resultado é que dos 85 milhões de toneladas por ano que consumiam em 1985, passaram, em 1995, a digerir 115 milhões. Tudo indica que em 2005 estarão moendo mais de 155 milhões de toneladas de trigo.
O resto do mundo também tem registrado sensível aumento no consumo, dando clara demonstração que, em futuro próximo, muito mais cereal será necessário para atender a alimentação global.
As áreas capazes de produzir trigo já estão identificadas e, em sua maioria, percorrendo a fase de exaustão.
A China dificilmente produzirá mais de 100 milhões de toneladas por ano. Os Estados Unidos, recentemente, liberaram terras para o plantio, alcançando crescimento de 6% da área lavrada.
Já o Canadá aumentou 17%, a Austrália, 10% e os 12 países da Comunidade Européia, 10%. Todos fazendo grande esforço para aumentar a produção de trigo.
A Argentina tem limitado sua capacidade produtiva a 13 milhões de toneladas. Há espaço para um novo grande produtor de trigo no mundo. O lugar pode ser do Brasil.
A potencialidade brasileira para a produção tritícola pode ser avaliada pela área semeada em 1986, quando mais de 3,8 milhões de hectares foram plantados.
O ambiente político-econômico no qual o trigo estava inserido há dez anos -quando o governo comprava qualquer quantidade sem preocupação com a qualidade- mudou, e o produtor brasileiro de trigo, o mesmo que produz a melhor soja do mundo, está ciente da necessidade de adaptação aos novos tempos.
A preocupação com a quantidade foi substituída pela primazia da qualidade, passo definitivo para um crescimento sustentado.
Para os moinhos brasileiros é fundamental a produção de trigo doméstico de alta competitividade, pois a liberdade do Mercosul permite que os industriais argentinos possam vender livremente farinha no Brasil.
É preciso cobrar do Estado uma posição decisiva. Os anos de desperdício do modelo anterior devem ser substituídos por uma fase em que a função estatal se atenha a criar condições de financiamento, de apoio à pesquisa, de criação de infra-estrutura de transporte suficiente a um fluxo dinâmico do trigo brasileiro.
É lamentável dizer que é mais barato transportar uma tonelada de trigo do Canadá (ao lado do Pacífico) até o Rio de Janeiro, do que trazê-la do norte do Paraná.
A situação da pesquisa é lamentável. Os institutos especializados estão à mingua, colocando o agricultor brasileiro numa situação incômoda na disputa com concorrentes dispondo de apoios de seus governos, por meio de subsídios, transportes, assistência técnica, recursos financeiros abundantes e a baixo custo, além de apoio político nas conversações internacionais sobre comércio de grãos.
O Brasil poderá ser, sem dúvida, um grande supridor de trigo. A área plantada de 1986 e o rendimento médio atual dos países produtores já permitiriam uma produção capaz de atender o consumo nacional. Precisamos andar rápido com as providências. Vontade política. Qualidade. Competitividade. Infra-estrutura. É o que falta. Mercado, sobra.

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