São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
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Anish Kapoor vem à Bienal com aço, pedra e pigmento

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Primeiro foi a indicação de Anish Kapoor para uma das salas especiais. Depois foi Achille Bonito Oliva, que selecionou Shirazeh Houshiary para a seção Universalis. Agora é a própria Grã-Bretanha, que indica Gary Hume como o representante oficial do país na próxima Bienal.
Com um time desses, ingleses podem desde já comemorar uma das melhores participações no evento, que se realiza entre 5 de outubro e 8 de dezembro em SP.
A estrela maior é Anish Kapoor, que monopolizará boa parte das atenções dedicadas aos contemporâneos do evento. Artista de poucas palavras, Kapoor não disse quase nada no Brasil, quando aqui esteve no início deste ano.
Falou mais agora, em entrevista exclusiva à Folha, por telefone, de Londres. Contou, por exemplo, que trará uma instalação com quatro trabalhos individuais, uma peça pigmentada, uma peça de pedra e duas feitas em aço.
"São peças que se relacionam. Tratam de um mesmo problema, mas de diferentes maneiras", disse. Falou ainda sobre sua inserção em uma tradição artística.
*
Folha - O artista tem um papel importante na cultura hindu?
Anish Kapoor - Eu não posso e não quero responder essa pergunta. Eu acho todas as perguntas relacionadas à cultura hindu irrelevantes.
Folha - A recorrência da cor azul não tem nada a ver com a cor de deusas da cultura hindu?
Kapoor - Não. Vivemos em um mundo em que muitas coisas têm muitos significados. Isso é muito mais complexo. Eu me recuso a ver algo com apenas um significado. É tolo. Colocar meu trabalho em relação a uma única cultura é muito pouco. Estou interessado em alguma coisa muito maior que isso.
Folha - O uso do azul em sua obra e na obra de Yves Klein pode ser comparado?
Kapoor - O azul não é o mesmo, mas podem haver pontos de contato. O que é importante para mim é reconhecer que na história existem pessoas, como alguns pintores chineses, que transmitiam um incrível mistério em suas paisagens em branco-e-preto... Yves Klein, eu acho, vai na mesma linha de pensamento. Ele deixa evidências físicas no mundo de algumas presenças não-físicas. Me sinto nessa mesma tradição.
Eu acho que todas as coisas estão dentro de tradições. Na arte contemporânea temos essa ilusão de que podemos ser originais. Não acredito nisso. Não existe nada original. Tudo está dentro de tradições. Todas essas idéias sobre "novidade" são completamente fabricadas.
Eu não sinto desconectado dessa tradição. Minha tradição é Joseph Beuys, Yves Klein, Barnett Newman, Jackson Pollock e muitos outros.
Folha - E essa tradição não chega até a cultura hindu?
Kapoor - Sim. Por que não? Ela existe também. Nessa linha de pensamento sim. Em muitos pontos da cultura hindu. Muitos, muitos, muitos... Mas não como o primeiro ponto de partida. Isso você não vai ter de mim (risos).
Eu não me importo em falar sobre o meu trabalho, mas não quero falar sobre ele como parte de uma certa cultura hindu. Eu não quero ser exótico. A batalha que eu tenho que enfrentar é refutar todo tipo de exotismo.
Folha - Sua obra é uma interpretação muito interessante da cultura hindu e isso não é exotismo.
Kapoor - Isso pode ter algo de positivo. Eu tenho muitos pontos de contato com muitas culturas. Podemos falar sobre a cultura pré-colombiana do Peru. Sinto muito mais contato com ela. Meu local de nascimento foi um acidente. Eu tenho que ser indiano. Tudo bem. Eu gosto disso, mas não é meu único ponto de vista. Quando você vir meu trabalho na Bienal...

LEIA MAIS sobre ingleses na Bienal à pág. 4-3

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