São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
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Gramado exibe filme-testamento de Alea

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO

Gramado-96 pode hoje começar a fazer justiça a "Guantanamera", o último filme do mestre cubano Tomás Gutiérrez Alea (morto em abril), rodado em parceria com o mesmo Juan Carlos Tabío de "Morango e Chocolate".
Trata-se da mais bem-humorada radiografia da grave crise que atingiu a Cuba de Fidel a partir da dissolução do bloco soviético. Lançado em Veneza-95, o filme foi esnobado pelo júri e burocraticamente recebido pela crítica. Quem esperava um "Morango 2", claro, decepcionou-se.
Programa principal da sessão noturna na serra gaúcha, com lançamento nacional nos cinemas previsto pela Top Tape para logo depois do evento, "Guantanamera" é uma espécie de versão fílmica do repentismo radiofônico de JoseÍto Fernandez na Cuba dos anos 50.
Diariamente, Joseíto, cantor e compositor, satirizava as manchetes de jornais com improvisos em cima da célebre canção "Guajira Guantanamera". Alea e Tabío resgatam a experiência, adaptando-a para o cinema e para o chamado "período especial" atravessado pela ilha.
A canção funciona como comentário que cimenta os fragmentos deste "road movie" passado entre Guantánamo e Havana. O foco principal oscila entre um cortejo fúnebre e um caminhão de cargas.
Triângulo amoroso
O primeiro testa um novo esquema governamental para driblar o racionamento de combustível. O segundo faz a rota de sempre. Entre os viajantes destacam-se protagonistas de dois amores adiados.
Uma velha cantora e um veterano músico de província reencontram-se após 50 anos e são logo separados pela morte fulminante da artista. É dela o enterro que se prepara.
Sua sobrinha, a ex-professora Gina (Mirta Ibarre), a acompanha ao lado do marido, um burocrata para sepultamentos que tenta derrotar a dura crise com suas fragéis teorias. No caminhão, vem fechar o triângulo amoroso um ex-aluno de Gina e agora motorista (Jorge Perugorría, o homossexual de "Morango", em um papel bem "macho" para não deixar dúvidas).
Enquanto um dos amores se consome (pela idade) e o outro se consuma (na estrada), a caravana de Alea e Tabío flagra a batalha do "jeitinho" cubano contra o desabastecimento. O resultado é o mais corajoso e divertido retrato da principal crise econômica do regime castrista.
Em "Guantamera" é possível encontrar uma súmula da obra de Alea. Estão lá a importância dramática da música, a cinedramaturgia rigorosa, a mistura de documentarismo e ficção, o impacto da História sobre as pequenas histórias cotidianas.
"Guantamera" fecha em chave tragicômica o ciclo aberto por "Histórias da Revolução" (1960). Ideologia à parte, se Santiago Álvarez, 77, é o documentarista insuperável da Cuba fidelista, Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996) foi o mais sensível dos cinecronistas da revolução.

O crítico Amir Labaki viaja a Gramado a convite da organização do festival.

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