São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
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Precedente perigoso

MÁRCIO THOMAZ BASTOS

A pergunta envolve uma questão fundamental para a construção democrática: o que fazer quando estiverem em confronto dois valores constitucionais de igual nobreza, sendo um deles a liberdade de expressão. Esse dilema tem surgido com muita frequência no Brasil: no cotejo entre liberdade de imprensa e direito à imagem, muitos estragos têm sido feitos, e, muitas vidas e reputações, destruídas na cobertura descuidada e sensacionalista de alguns casos policiais e judiciais.
A Escola Base é o exemplo limite, que infelizmente não é a exceção que confirme a regra. Muitos e muitos outros têm acontecido em que a pessoa -envolvida em uma investigação administrativa ou policial, que deveria ser pautada pelo sigilo e pela discrição- acaba por ter a sua imagem destruída, de forma irremediável, ignorando-se o princípio da presunção de inocência.
A única maneira razoável de enfrentar e resolver a questão é examiná-la caso a caso, à luz de suas circunstâncias concretas, fazendo prevalecer o que for mais importante naquela situação singular. O que não se pode é ceder à tentação de namorar o conceito de censura. Os casos de abuso da liberdade de manifestação do pensamento devem ser solucionados pela punição e responsabilização posterior. Para dizer a verdade, isso não vem acontecendo no Brasil, onde a regra, como em quase tudo o mais, tem sido a impunidade.
É preciso um trabalho grande nessa direção, que já vem sendo feito inclusive com a discussão sobre uma nova Lei de Imprensa. Importa construir uma mentalidade, um pouco por força da lei, pela auto-regulamentação, pela ação do Judiciário, em que se estabeleça um equilíbrio dialético entre valores constitucionais que se oponham em determinados casos concretos.
É levando em conta esses pressupostos que se deve responder negativamente à questão. O princípio constitucional fundamental determina que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofrerão qualquer restrição. De outra parte, o mesmo texto declara o racismo um crime inafiançável e imprescritível.
Mas, na Carta Magna, não existe dispositivo algum que estabeleça a censura prévia, como remédio inclusive para coibir o racismo. Assim, por mais indignação que cause uma manifestação racista, deve-se condenar a proibição de veiculação.
A norma legal que autoriza a interdição (lei 7.716/89, art. 20) é manifestamente inconstitucional. E o precedente é perigoso e contraria o rumo legal de uma luta em favor da liberdade e das garantias. Hoje se apreende um disco do palhaço Tiririca, em nome do combate ao racismo. Ao fazer isso, está-se violando o espírito e a letra da Constituição e preparando o caminho para outras violações.

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