São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
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Para casos de ódio racial

CELSO RIBEIRO BASTOS

Há ou não racismo na letra de Tiririca? Em primeiro lugar, é forçoso lembrar que, no Brasil, a prática do racismo é constitucionalmente fulminada com tratamento bastante drástico. Segue-se-lhe a lei nº 7.716/89, que procurou de forma minudente tipificar as atitudes concretas que configurariam uma agressão racial.
Chegou ao número de 14 tipos, e, dentre eles, seria aqui oportuno reproduzir o art. 20, caput, que incrimina diversos comportamentos: "Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão de dois a cinco anos".
Visto do confronto da letra da música com o descrito na norma, até seria justificável vislumbrar o tipo penal. Entretanto nos parece que, por trás de todo comportamento racista, há de estar presente a afirmação vigorosa da superioridade de uma raça face às demais. O movimento nazista teria sido a manifestação paradigmática dessa atitude.
Não é o que ocorre na letra da música e mesmo em muitas outras manifestações análogas que ocorrem na nossa cultura, em que muito mais está presente o espírito mofador, o jocosamente tirar proveito das características mais salientes desta ou daquela etnia.
Cada uma a seu tempo, já estiveram na berlinda: os caipiras (aliás, recentemente reavivados pelo presidente), os índios, povos do Oriente Médio, do Extremo Oriente, sem que jamais se pudesse ver aí manifestações raciais, por mais que haja grupos que tentem artificialmente criar esse tipo de sentimento no país. Estão condenados ao malogro. Num país onde mais da metade da população é mestiça, não há lugar para manifestação racial séria.
Tem-se, de outra parte, que notar que é um direito que integra a liberdade de cada um ter gostos ou preferências por raças, por nações ou por povos, sem incorrer, por isso, em racismo. Para esse, há de estar presente, como vimos, o sentimento de superioridade, aliado a um ódio pela raça discriminada.
E aqui não podemos deixar de fazer uma analogia com o que ocorre nas figuras penais que configuram agressão à honra alheia. A mesma expressão que poderia configurar um atentado à honra, se dita em tom jocoso, de amistosa brincadeira, se descaracteriza como figura delituosa.
Na letra de Tiririca, seria difícil vislumbrar ares de um soberbo nazista preparando o extermínio das raças inferiores. Sua referência à negra, dependendo do ponto de vista de quem ouve a música, é até uma propaganda, porque não se pode ignorar a existência de povos que tenham especial predileção pela fragrância da negritude.

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