São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Anotações para o ano 3000

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O professor Darcy Ribeiro, 73, autor de algumas das obras mais importantes da antropologia brasileira, lança nos próximos dias aquele que considera seu livro definitivo, "Diários Índios".
Surpreendentemente, o antropólogo levou mais de 45 anos para descobrir a importância da obra -registrada em oito cadernos grossos, de capa dura, preenchidos a mão entre 1949 e 51.
Editado pela Companhia das Letras, "Diários Índios" (leia trechos à pág. 5-5) traz, em 601 páginas ilustradas com fotografias, desenhos e gráficos, a descrição completa de duas expedições realizadas por Darcy às aldeias dos índios Urubus-Kaapor, situadas na fronteira entre o Maranhão e Pará, na metade do século.
Então com apenas 27 anos, Darcy Ribeiro passou cerca de dez meses em meio à selva amazônica para estudar esse povo indígena, descendente dos tupinambás, que povoavam a costa brasileira na época do descobrimento.
Inéditos até hoje, os diários são relevantes para a antropologia brasileira porque, junto com anotações de outras viagens empreendidas por Darcy, serviram de base para a elaboração de toda a obra posterior do autor.
Em entrevista à Folha, o também educador e senador pelo PDT do Rio de Janeiro conta que não publicou antes "Diários Índios" por um vício de antropólogo.
"Achava que tinha de extrair deles um texto teorizante", diz Darcy. "É assim que a antropologia trabalha. Converte tudo em uma coisa genérica".
Mas, aos 73 anos e numa luta feroz contra um câncer que começou na próstata e espalhou-se pelo corpo -no fim de 94, Darcy saiu fugido da UTI em que estava internado, no Rio de Janeiro-, ele está agora mais interessado nos detalhes da vida.
"O genérico não há", afirma. "O que existe é cada casamento, cada batizado, marcado por suas circunstâncias."
Para ele, "Diários Índios" é seu livro definitivo, "aquele que será republicado até o ano 3000, porque conta a história de um povo que está desaparecendo".
A decisão de publicar o livro também propiciou uma redescoberta amorosa. Ele tinha se esquecido, mas as 601 páginas de "Diários Índios" foram escritas como uma interminável carta dirigida à sua primeira mulher, Berta.
"É a maior carta de amor do mundo", diz Darcy.
No prefácio, ele conta que, após 20 anos de separação, os dois voltaram a namorar. Berta também é vítima de câncer, que a atingiu no cérebro. "Eu a beijo na boca e prometo casar de novo com ela", escreve.
O livro impressiona pela descrição das consequências desastrosas da pacificação na vida dos índios.
Promovida pelo antigo Serviço de Proteção aos Índios, órgão anterior à Funai (Fundação Nacional do Índio), a pacificação transformava os índios em fugitivos do sarampo e de outras doenças do homem branco.
Assustados com as mortes causadas pela doença, abandonavam suas aldeias -onde, acreditavam, estava a doença- e desapareciam mata adentro, levando a epidemia para outras aldeias.
Traz também relatos detalhados dos mitos, festas e cerimônias, assim como árvores genealógicas, plantas das aldeias e descrição dos costumes, da culinária, vestimentas, etc.
Como diz Darcy, em "Diários Índios", o leitor é pego pela mão e levado a percorrer mais de 2.000 quilômetros, conhecer dezenas de aldeias.
O livro, no entanto, não é a única obra do incansável autor à disposição nas estantes da Bienal.
A Companhia das Letras também está relançando "Os Índios e a Civilização", originalmente publicado em 1968 e resultado de um estudo realizado a pedido da Unesco.
Finalmente, a editora Vozes coloca no mercado a terceira edição de "Kadiwéu", sobre os índios do mesmo nome, com quem Darcy viveu entre os anos de 1946 e 48, antes mesmo das expedições relatadas em "Diários Índios".

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