São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 1996
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Rodízio melhora trânsito e mostra que carro não é a única saída

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não foi só o menor número de carros nas ruas que fez o trânsito fluir com mais velocidade em São Paulo. O rodízio mudou os hábitos dos paulistanos para melhor.
Usar ônibus e reescalonar horários são tendências em alta. "O rodízio indica que se pode ter uma outra cidade, mais humana", diz Milton Santos, professor titular de Geografia Humana da USP.
A esperança do geógrafo encontra respaldo nas estatísticas.
Um contingente grande de paulistanos, que optara pelo transporte individual, voltou a andar de ônibus. Após meses de queda, os coletivos viram o número de passageiros voltar a crescer.
O total diário de passagens pagas na semana passada superou em 254 mil a média de junho. Como cada passageiro faz em geral duas viagens por dia, aumentou em cerca de 127 mil pessoas o público que anda de ônibus na cidade.
Ou seja, 10% das pessoas que deixaram de se locomover com o carro optaram pelo transporte coletivo. E quase todas foram para os ônibus, porque praticamente não aumentou o público do metrô.
Outros paulistanos, ainda que continuando a usar o carro, passaram a sair mais cedo de casa. Ao driblar os horários proibidos pelo rodízio -das 7h às 20h-, acabaram contribuindo também para diminuir o trânsito na hora de pico.
Segundo levantamento da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), houve uma ligeira mudança de horário no fluxo de veículos em quatro dos principais corredores da capital: Rebouças, Vergueiro, 9 de Julho e Domingos de Moraes.
Numa quarta-feira do último mês de junho, 6.234 carros passavam por essas avenidas entre 5h e 7h da manhã. Na quarta passada esse número aumentou 5,42%. E das 7h às 20h, o fluxo caiu de 153.456 carros para 147.270.
Se 5% dos paulistanos mudaram seus horários e 10% passaram a andar de ônibus, os outros que não usaram o carro tiveram que se distribuir em alternativas como carona, táxis, bicicleta, andar a pé, adiar compromissos ou resolver tudo por telefone.
O resultado foi sentido nas ruas. No pico da manhã, os congestionamentos foram 35% menores do que em junho. Na hora mais congestionada da tarde a redução foi ainda maior: 43% menos quilômetros de vias paradas.
Não apenas diminuiu o risco de ficar parado na hora do rush em algum ponto da cidade, como os trajetos acabaram se tornando mais rápidos. A velocidade média nas vias expressas ficou 7% maior pela manhã e 18% à tarde.
"Quando o sistema está saturado, uma pequena mudança produz uma grande melhora em termos de circulação", constata o presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos, Rogério Belda.
Entretanto, o sucesso do rodízio na melhoria do trânsito tem que ser visto como exemplo saudável de mudança de hábitos, não como solução definitiva.
"O rodízio tem que ser reservado a situações de emergência. Se for permanente, a cidade vai se adaptar a ele e, em pouco tempo, vai aumentar ainda mais a circulação de carros e a poluição", prevê.
O presidente da ANTP diz ter visto pessoas debutando no uso de ônibus e metrô nos últimos dias e que os usuários habituais se preocupavam em ajudá-las. Ele acha que esse pode ser o início da implantação de novos hábitos.
"Acho possível, desde que haja um esforço para melhorar a qualidade do transporte coletivo e também uma campanha para dizer que ônibus é para todos, não só para os pobres", ressalva.
Para Francisco Christovam, presidente da SP Trans, que gerencia o sistema de ônibus na cidade, é preciso mudar horários. "Tem que fazer um escalonamento." Com o rodízio, conta, melhorou a distribuição do número de passageiros pelos ônibus ao longo do dia.
Essa ou qualquer outra proposta que tente impor limites aos direitos individuais enfrenta resistências.
Mesmo o geógrafo Milton Santos vê grandes empecilhos ao aumento do uso do transporte coletivo e à adoção de restrições à circulação de carros em áreas centrais, mais congestionadas: o corporativismo e o individualismo.
"A visão que impera não é a de que a cidade é um bem coletivo, mas a do mais forte e a das corporações. É assustadora a tranquilidade com que as pessoas reivindicam privilégios para romper o rodízio e usarem o carro", afirma.

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