São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 1996
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Velharia bota nossa cabeça para girar

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Que tal você perder o medo de mim?
E se o tempo não tivesse passado? E se entre 1986 e 1996 não tivessem corrido dez anos, mas dez minutos?
E se guitarras vermelhas ainda reduzissem corações a pó? E se a passagem dos dias respondesse aos comandos desesperados de nossa imaginação?
"Heartworm", o segundo Álbum da banda irlandesa Whipping Boy, nos obriga a fazer essas perguntas. Coloca nossa cabeça para girar em sentido anti-horário.
Nas canções desse quarteto de Dublin, ecoam, juntos, Joy Division, House of Love, Call, Church, Echo and the Bunnymen... Velharias esquisitas que talvez só façam sentido para meia dúzia de museus humanos -como eu.
Whipping Boy inverte o clichê roqueiro do "eu-vi-o-futuro-do rock-e-ele-se chama..." (Preencha o espaço em branco com o nome de sua banda moderninha preferida).
Esses irlandeses não são o futuro do rock. São seu passado. Mortos-vivos mantidos em precária vigília, sabe-se já a que custo.
Fazia pelo menos dez anos que alguém não falava de amor de um modo tão absurdamente aflitivo.
Impossível não lembrar de Ian McCulluch e seu Echo and Che Bunnymen ao ouvir versos como "ela é o ar que eu respiro/ mas não é puro/ ela é o ar que eu respiro/ mas tem um preço".
As guitarras grandiosas, distorcidas, esfacelam o fino tecido orquestral de algumas canções. Vêm à memória as geleiras dos vídeos do Echo and the Bunnymen, as letras desesperançadas do Joy Division, em que a vida surge na forma de uma insuportável experiência claustrofóbica.
Gravado no final de 1994, "Hoartworm" saiu no ano passado. Antes, o Whipping Boy só tinha lançado um álbum, "Submarine" (1992), por um obscuro selo britânico.
São quatro figuras estranhas. Camisas coloridas, cabelo curto, óculos escuros, tênis Van's... Nada que sugira serem capazes de produzir música de tal modo atormentada.
E não faltam lendas sobre o líder do grupo, Fearghal McKee: como Iggy Pop, já teria se mutilado com cacos de vidro em cima do palco; ficaria nu no meio dos shows; por causa de seu comportamento bizarro, teria sido expulso do seminário católico onde estudava quando garoto...
"Heartworm" é um álbum velho, bolorento, inglês, branco ultrapassado e adorável.
No último verso, a faixa "Users" resolve tudo: "Que tal você perder o medo de mim?"

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