São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 1996
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Desemprego

DARCY RIBEIRO

Nada há de mais importante na sociedade moderna do que o sagrado direito ao emprego. A família desempregada cai fatalmente na marginalidade. Tem de arranjar modos de alimentar os filhos, pagar a moradia, sobreviver.
O seguro-desemprego é, entre nós, uma balela, mesmo porque desempregado, para tecnocrata, é quem até ontem estava empregado. Não há como reconhecer, nessa condição, as dezenas de milhões de brasileiros.
O estado permanente deles é de desemprego ou, eufemisticamente, subemprego, condição dos biscateiros e toda a sorte de trabalhadores eventuais que formam a maioria do que deveria ser nossa força de trabalho.
Numa sociedade tribal, prevalece a norma ética que obriga todos a contribuírem para a manutenção das condições de existência do grupo, fazendo e refazendo casas e artefatos, plantando ou colhendo, caçando ou pescando. Cumprir esses deveres é o primeiro dos motivos de orgulho de um homem e de uma mulher.
Entre nós, a economia se estruturou em empresas formadas de dois componentes principais: o capital, dos donos, e a força de trabalho, que, conjugados, provêem as necessidades sociais e o progresso nacional.
Em condições normais e ajuizadas, esse sistema funciona. Otimamente em países como o Japão, em que não se admite que um empregado seja demitido. Muito bem aqui, também, enquanto prevaleceram as garantias getulianas contra as despedidas injustificadas e, sobretudo, contra a demissão de trabalhadores com mais de dez anos de casa, que tinham se convertido em co-proprietários, com direito a uma parcela da empresa se fossem postos fora.
Com a ditadura militar e a falsa democracia que a sucedeu, tudo isso se desarranjou. O empresário pode despedir todos os seus operários para recontratá-los quando lhe convier.
É como se eles pudessem fechar as bocas dos filhos para só comerem quando voltasse o emprego. Inventaram um fundo de garantia que só convalida o direito de desempregar. O que rege é a irresponsabilidade da empresa para com sua força de trabalho.
A coisa se agravou terrivelmente com os tecnocratas neoliberais de FHC, que estão implantando um capitalismo socialmente irresponsável.
Vendem grandes empresas públicas a banqueiros, senhores do lucro, autorizando-os, escandalosamente, a despedirem massas de empregados para lucrar mais, exigindo trabalho dobrado dos que permanecem, sempre ameaçados de serem mandados embora.
Acresce o pendor assassino de jogar sobre a compressão salarial e o desemprego geral as responsabilidades pela manutenção e lucratividade do sistema financeiro. Único valor que os comove.

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