São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 1996
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O que é um grande país?

MIGUEL JORGE

Embora definições de um grande país devam ser sensíveis a vários aspectos, há alguns que devem ser obrigatórios e inflexíveis.
Um deles: um grande país pode ter criança pobre, mas não pode ter criança explorada. A escola primária precisa ser indivisível, democrática, aberta aos que precisam dela, para que os frutos do crescimento econômico beneficiem todos os cidadãos, com justiça social.
Mas, no Brasil, um dos países onde mais se explora o trabalho infantil, segundo a Organização Internacional do Trabalho, as palavras "criança explorada" atingem milhões de menores.
São números sombrios: a América Latina tem 5,1 milhões de menores trabalhando, todos entre 10 e 14 anos; o Brasil é o terceiro entre os que mais exploram o trabalho infantil, depois do Haiti e da Guatemala.
Segundo o documento da OIT, divulgado em Genebra, 16% das crianças brasileiras daquela faixa etária só trabalham "em condições deploráveis de exploração", por causa da miséria que as afasta da escola e as deixa com a segurança e a saúde em perigo.
Mas, verificando-se melhor essa estatística, conclui-se que ela é benevolente com o Brasil, onde a questão da mão-de-obra infantil é tratada com completo descaso e, de modo genérico, como um problema apenas conceitual.
Ao divulgar os números da OIT, a técnica Assefa Bequele admitiu que eram apenas amostra parcial da situação -no total de 73 milhões de menores trabalhando no mundo, não se incluem os menores de 10 anos, domésticas menores de tempo integral e adolescentes com 15 anos.
No caso do Brasil, seria também impossível incluir milhares de menores usados em trabalho escravo e a mão-de-obra infantil das ruas, a soldo de aventureiros, aproveitadores e criminosos, e que formam a linha de frente de nosso drama social.
Segundo a OIT, o custo dessa situação é extremamente alto, tanto para os menores -que parte da sociedade civil define como "inadaptados"- como para os próprios países, que acabam degradando cada vez mais seu futuro potencial humano.
Num país em que, muitas vezes, a simples tentativa de se conseguir vaga na escola primária é uma verdadeira operação de guerra, o peso das injustiças sociais e da má distribuição de renda cai pesadamente sobre os menores.
O impacto mais cruel dessa realidade, que não parece chamar a atenção da opinião pública, é que inúmeras empresas não contratam adultos, porque preferem menores, burlando a lei e perpetuando a violência e a injustiça.
A OIT lançou um apelo aos governos para que adotem medidas de caráter social que protejam a saúde e o bem-estar das crianças, dando-lhes mais educação e oportunidades econômicas a longo prazo.
Com isso, a entidade aponta a fronteira que pode separar um grande país, que respeita os direitos humanos das crianças, como o Chile, com cifras de exploração infantil estatisticamente imperceptíveis, dos países que infringem e violentam esse direito -muitas vezes, porque nem se dão conta deles.
No limiar do terceiro milênio, é preciso fazer a escolha certa, principalmente no caso das nações que querem desempenhar um papel importante no futuro da humanidade.

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