São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 1996
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Salto de potência não chegará até 2004

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

São questões entrelaçadas, mas distintas. Uma é a história da isenção de impostos para quem investir no esporte; outra, o sonho da Olimpíada no Rio. Meu temor é que, no andar da carruagem, ambas se confundam de tal maneira que virem uma só.
A primeira trata da criação de recursos, por parte do governo federal, que seriam investidos na promoção de modalidades esportivas com vistas a transformar o Brasil numa potência olímpica.
Ora, governo nenhum produz dinheiro, nem mesmo quando dá seus solos de guitarra (nesse caso, produz inflação -ou seja, dinheiro com menor valor); essa grana terá de ser escamoteada do bolso do contribuinte, esse cretino que trabalha feito besta para pagar serviços estatais cada vez mais subumanos. Seja na forma de isenção de impostos às empresas que entrarem na jogada, seja na forma de alocação de verbas orçamentárias. De qualquer jeito, será dinheiro destinado à saúde, educação e moradia, já tão parcas de recursos, deslocado para uma área absolutamente secundária na ordem das coisas.
Sobretudo porque o esporte, hoje, é uma zona franca, onde rola grana a granel. Esse deveria ser um interesse meramente comercial das empresas: investir numa área que lhe trará lucros. É assim no mundo inteiro, por que haverá de ser diferente aqui? Por que só aqui nós, cidadãos comuns, temos de servir de esteio a investimentos que darão lucros a meia dúzia de empresas?
Quem quer ser potência em qualquer coisa nesta terra de tantas e tamanhas desigualdades? Perdoem-me os que nessa entraram de coração aberto e mente limpa, mas isso tem o cheiro de arruda dos tempos obscuros do regime militar, quando se sonhava com o Brasil grande.
Deu no que deu: país miserável, refém da violência urbana e agrária, conflagrado pelas diferenças abismais entre a grande massa de deserdados e um ínfimo, mas sólido, núcleo de herdeiros, que só outro dia conseguiu domar a inflação, o mínimo para se começar a pensar em sair do buraco.
Portanto, para chegarmos não à potência de seja lá o que for, mas a uma digna existência da maioria, ao menos, teremos de dar um salto mil vezes maior do que o de Carl Lewis. E esse salto, por certo, não chegará até 2004.
E aqui entra a história do Rio-2004. Neste caso, a verba governamental pode significar investimento. Isto é: dinheiro colocado no mercado para render dividendos sociais.
Traduzindo: benefícios, não ao esporte, uma indústria em plena expansão com governo ou sem governo, mas à sociedade como um todo, por meio de obras, consequentemente de empregos, que serão incorporadas ao nosso cotidiano, aquém e além da Olimpíada.
Contudo, mesmo isso deve ficar sub judice. Pela pressa com que se está tocando o projeto, tenho cá minhas dúvidas se esses US$ 4 bilhões estão devidamente dimensionados e direcionados nesse sentido.
Meu velho pai, quando comerciante, costumava dizer: "Antes de assinar qualquer coisa, meu filho, quebre o dedo e consulte um advogado". Depois, formou-se advogado. Nunca foi sociólogo.

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