São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 1996
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Peça revela tragédia em Nelson

CIBELE FORJAZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nelson de Sá viu e riu de "Álbum de Família", de Nelson Rodrigues. É o que se consegue ler nas entrelinhas da crítica "'Álbum' mostra família como tragédia e farsa", de 3 de agosto de 1996, sábado.
Eu não poderia ter chegado mais próximo do meu objetivo. Revelar um texto cáustico como "Álbum de Família" e conseguir deixar "transparente, claro" seu conteúdo trágico para que dele aflorasse o ridículo das situações extremas, o farsesco, como diz Nelson de Sá, foi exatamente a tarefa a que me entreguei de corpo e alma nesta montagem.
A chave para este tango entre tragédia e gargalhadas me foi dada pelo próprio Nelson Rodrigues em uma crônica de "A Vida como Ela É" em que declara, para delírio geral de seus leitores, que a verdadeira tragédia, a tragédia humana sem consolo, dança mambo.
Qualquer pessoa que já sofreu a ponto de bater a cabeça na parede e gritar "ai de mim", sabe que é verdade. E é essa verdade que perseguimos até a exaustão no Centro Universitário Maria Antônia.
Mas no meio de tanta compreensão há certas farpas que deveriam ser, no mínimo, mais explicadas e que me levaram a escrever esta "resposta".
Ilha de resistência
Em primeiro lugar, a minha "passagem" pelo Teatro Oficina não é tão passageira quanto parece a sugestão de uma "assistência de direção de As Bacantes", que aliás não fiz.
Eu trabalho no Teatro Oficina Uzyna Uzona desde 1992 e faço parte de um núcleo de artistas que reabriu o Oficina como um oásis, uma ilha de resistência de um teatro de Tyaso, de companhia.
Um teatro que apesar das más línguas da mídia não vive do mito morto de José Celso Martinez Correa, mas de uma linda parceria de artistas vivos que, como bacantes, sabem de si e de sua ação necessária como agentes transformadores do mundo.
Parceiros de um teatro mais pedra que vitrine e que, neste momento de tão poucas crenças, acredita na arma do teatro como bomba capaz de explodir consciências.
Não estou no Teatro Oficina por acaso. Sou uma artista que acredita no que faz e tenho uma opção artística clara e assumida pela relação direta e verdadeira entre atores e público.
Agora, Nelson de Sá, se não restou muito do que foi possível ver de mim antes da minha passagem "avassaladora" pelo Teatro Oficina é porque Nelson de Sá não viu de mim quase nada e não pode reconhecer o que não conhece.
Mais importante, mudei porque estou viva e cinco anos de muito trabalho (e não de afastamento como sugere a crítica) é terreno fértil para muitas transformações.
A fome, no entanto, continua a mesma. A mesma fome que acendeu a minha paixão por Nelson Rodrigues é a fome que me levou a trabalhar no Teatro Oficina Uzyna Uzona, onde o artista é o rei da sua própria criação.
A semelhança não é mera coincidência nem tão "ligeira" assim. É crença em um teatro que, ao contrário da mídia moderna, busca mais a verdade do que a "originalidade".
E embora a fé cênica seja tão delicada e fugidia como qualquer crença verdadeira, Nelson de Sá termina a crítica louvando a verdade dos nossos atores, tão jovens e por isso mesmo, Nelson, capazes de acreditar em um novo velho teatro baseado não na "originalidade", mas na humanidade possível de personagens que vivem uma história.

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