São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 1996
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A protelação do Conselho de Comunicação

AMÉRICO ANTUNES

O senador Coutinho Jorge (PSDB-PA), em artigo publicado recentemente neste conceituado espaço de debates da Folha, recolocou na ordem do dia a polêmica em torno da instalação do Conselho de Comunicação Social, previsto no artigo nº 224 da Constituição de 88 como órgão regulador, auxiliar do Congresso nas questões referentes às comunicações.
Relator do projeto oriundo da Câmara dos Deputados, aprovado no dia 23 de maio pelo Senado e que altera a lei nº 8.389, que regulamentou o Conselho em dezembro de 91, Coutinho Jorge argumentou que as mudanças propostas -como a ampliação da participação da sociedade civil no conselho ou a forma de eleição dos seus membros, ora pelo Senado, ora pela Câmara, como no caso do TCU- farão com que a "mora constitucional" do Congresso Nacional em relação a esse dispositivo legal seja finalmente superada.
Independente do mérito das mudanças propostas pelo senador do PSDB -algumas com as quais, inclusive, concordamos-, fica a seguinte e lógica indagação: como se chegou à conclusão de que a estrutura do conselho deveria ser alterada se nem sequer ele foi instalado, testado na prática?
Aliás, desde março de 92 -prazo limite fixado pela própria lei que regulamentou o conselho para que o Congresso elegesse seus membros-, diversas entidades profissionais, empresariais e da sociedade civil aguardam essa efetivação do órgão.
Ao contrário disso, o Parlamento vem há mais de quatro anos protelando a instalação do conselho, e agora, ao se supor o compasso normal da tramitação desse tipo de projeto de lei na Câmara dos Deputados, a "mora constitucional" de que falou Coutinho Jorge deverá prosseguir ainda por um bom tempo, como aliás acontece com todos os dispositivos sobre as comunicações introduzidos na Constituição e ainda não regulamentados, passados mais de oito anos desde a sua promulgação.
Enquanto isso, o Ministério das Comunicações vai definindo, por meio de portarias e atos do Executivo, o novo perfil do mercado de comunicações e telecomunicações no Brasil. Sem ouvir o Conselho de Comunicação Social, como determina a lei 8.977/95, que regulamentou os serviços de TV a cabo, o ministério baixou no final do ano passado, por exemplo, todas as normas sobre esse imenso e potencial mercado das comunicações, levantando a óbvia suspeita de que alguns poucos grupos foram privilegiados.
Na área de telecomunicações -que pela convergência tecnológica hoje se confunde com a de comunicações-, o dito ministério não só conseguiu até agora protelar a criação de um outro órgão regulador de que fala a emenda constitucional que quebrou o monopólio estatal nesse setor como concedeu, por meio de simples portaria, o direito de exploração por 15 anos do outro filão do mercado, que são as TVs por assinatura via satélite, para dois grandes e tradicionais grupos de comunicação.
Todos esses fatos parecem levar a uma óbvia conclusão: não passa até agora de retórica o discurso de que o Estado, em um mundo globalizado e marcado pela competição, substitui a sua intervenção direta na economia pela criação de instrumentos de controle público. Com certeza, na área das comunicações e telecomunicações, a lógica da intervenção do Executivo e do Legislativo tem sido o inverso disso, ventilando até mesmo a estapafúrdia idéia de que o festejado órgão regulador deve ser estruturado como uma sociedade anônima.
Na verdade, o governo quer e está construindo, por meio de frágeis portarias -como as das concessões de TV por satélite ou a que baixou as normas para a TV a cabo-, os novos marcos do mercado de comunicações e telecomunicações do país. Agora, como no passado, a construção desse novo modelo está sendo feita exclusivamente pelo Poder Executivo, que, dessa forma, cria situações de fato, beneficiando os grupos de sempre.
Ao postergar a efetivação desses órgãos reguladores, como o Conselho de Comunicação Social, sob o argumento de que a lei tem de ser aperfeiçoada antes de testada, o Congresso está legitimando essas práticas autoritárias e permitindo a criação de um novo modelo, em que o monopólio público apenas é substituído pelo privado, e os interesses da sociedade são aplastados ante os particulares. E a "mora constitucional" acaba se traduzindo apenas no que realmente é: omissão e conivência.

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