São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 1996
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A reforma regeneradora

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

A reforma administrativa caminha lentamente para sua aprovação no Congresso Nacional. Quando isso afinal acontecer, teremos uma reforma regeneradora do serviço público no Brasil. Uma reforma que, a médio prazo, permitirá tornar o Estado brasileiro eficiente, voltado para o atendimento do cidadão, e transformar os servidores públicos em uma classe de homens e mulheres valorizada pela sociedade.
E que, a curto prazo, permitirá a redução dos custos com pessoal, por meio da eliminação dos marajás que ainda existem, e a redução de gastos superiores a 60% da receita que existem na maioria dos Estados da Federação, por meio da exoneração indenizada dos funcionários excedentes.
Mas será que essa reforma será aprovada? Afinal está demorando tanto. A demora era inevitável. Decorreu da lentidão intrínseca ao processo de emendar a Constituição a que se somou a necessidade dos líderes dos partidos do governo na Câmara de esperar que, primeiro, fosse aprovada a reforma da Previdência.
Neste momento, a reforma administrativa está na Comissão Especial. O relator já leu seu relatório -um excelente relatório, que confirma e, em certos casos, aperfeiçoa a proposta do governo-, e agora estamos no período das intervenções dos parlamentares que precede a votação. A expectativa é de que nas próximas duas semanas o relatório esteja votado e aprovado. A votação no plenário da Câmara ocorrerá em seguida a 3 de outubro.
Mas, cumpridos os prazos, a maioria terá força para aprovar o relatório na comissão e, em seguida, no plenário. Não tenho dúvida a respeito. Algumas modificações ocorrerão, mas o essencial permanecerá. Não acontecerá o que aconteceu na Câmara com a reforma da Previdência, que foi lá descaracterizada, concentrando-se agora as esperanças do governo no Senado.
A descaracterização da reforma da Previdência ocorreu em função de dois erros que cometemos: 1) pusemos na mesma emenda a reforma da previdência dos empregados privados cobertos pelo INSS e a dos servidores públicos garantidos pelo Tesouro; 2) adotamos a estratégia da desconstitucionalização.
O primeiro erro roubou-lhe o apoio popular. Os grandes privilégios e o grande desequilíbrio financeiro encontram-se nas aposentadorias dos funcionários, mas não foi possível passar isso à opinião pública porque os interessados se esconderam atrás das mudanças propostas para o setor privado, em que os privilégios são limitados, e o desequilíbrio financeiro não é ainda dramático.
Quem se punha contra a emenda podia declarar que estava defendendo os pobres trabalhadores do setor privado, quando, na verdade, estava defendendo privilégios escandalosos de funcionários que se aposentam antes dos 50 anos, tendo trabalhado um tempo limitadíssimo para o setor público, com proventos integrais!
Desconstitucionalizar foi também um erro. Os congressistas entendem que esta é uma estratégia radical demais. Que representa dar um cheque em branco ao governo para, depois, legislar como quiser. Por isso, quando o governo apresentou a reforma da Previdência, a reação foi negativa. E afinal o que o relator fez foi simplesmente preencher o cheque, reconstitucionalizando tudo, mas a seu modo. Quando boa parte do relatório emasculado não passou no plenário da Câmara, não restou outra alternativa senão esperar que o Senado corrija os privilégios.
A situação da reforma administrativa é muito diferente. A emenda do governo não usou a técnica da desconstitucionalização. Para regular a flexibilização da estabilidade, por exemplo, usou mais incisos e parágrafos do que os que hoje existem no art. 41, que regula a matéria na Constituição. Dessa forma, apresentamos aos parlamentares um projeto claro, que não deixará surpresas para o futuro. O relator seguiu a mesma política. E o debate com toda a sociedade foi intenso.
Por outro lado, não existe na reforma administrativa a confusão entre o setor privado e o público. Essa reforma atinge apenas os privilégios e distorções existentes no setor público. Eliminará a possibilidade de marajás no presente e no futuro, permitirá a cobrança de mais e melhor trabalho, viabilizará uma administração mais descentralizada e flexível, gerencial.
Esse fato dá à reforma um índice de aprovação popular muito maior do que teve a reforma da previdência. Mesmo em Brasília, onde predominam os funcionários, pesquisa realizada pelo "Correio Braziliense" demonstrou que existe amplo apoio para a reforma administrativa. Significativamente, esse apoio é maior entre as classes mais pobres do que entre as mais ricas.
E dentro do Plano Piloto esse apoio é o mais baixo. É claro, os privilegiados, os funcionários que não trabalham, mas fazem política ou dedicam-se a seus interesses privados são em geral funcionários bem pagos, que vivem no Plano Piloto de Brasília. São vizinhos da alta burocracia federal, que dirige a administração pública federal com competência e espírito público. Ora, se em Brasília existe forte apoio para a reforma, o que não dizer do resto do Brasil.

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