São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 1996
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Último tango em Buenos Aires?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Com o sucesso da greve geral da semana passada e a reação negativa ao pacote tributário divulgado na segunda-feira, complicou-se bastante a situação do governo argentino e da sua nova equipe econômica.
O Brasil deveria acompanhar com cuidado esses acontecimentos. Não é o que vem acontecendo. O noticiário brasileiro sobre a Argentina, com parcas exceções, continua de uma pobreza franciscana.
Não se diria que a Argentina é o nosso segundo maior parceiro comercial depois dos EUA. Ou que as turbulências financeiras naquele país podem ter repercussões sobre os ingressos de capital externo no Brasil. Nem que as vicissitudes macroeconômicas e políticas da Argentina constituem, em certa medida, um espelho antecipado do que acontece no Brasil.
Aqui como lá, os governos têm-se sustentado com base no sucesso do combate à inflação. Aqui como lá, adaptaram-se de forma passiva à chamada globalização e, no geral, aceitaram obedientemente os ditames do Consenso de Washington e as diretrizes do governo norte-americano.
As diferenças são mais de grau do que de natureza. Na Argentina, o programa de estabilização é muito mais rígido e a política externa, mais subordinada. Em termos monetários e internacionais, a economia argentina virou uma espécie de sucursal norte-americana. A margem de manobra da política econômica é estreitíssima.
Esse esquema político e econômico, que tantos dividendos rendeu a Menem durante cinco anos, está agora dando sinais de esgotamento.
O amplo descontentamento social com a estagnação econômica, com o desemprego e com as desigualdades sociais conflita, entretanto, com as limitações impostas pela camisa-de-força monetária e cambial, pesada herança deixada por Domingo Cavallo.
Nesse contexto, a nova equipe econômica de Roque Fernández decidiu fazer uma espécie de fuga para a frente. Dobrou a aposta. Fez ouvidos de mercador para todas as reclamações da população.
Fernández não apresentou nenhuma medida para reativar a economia ou enfrentar o problema do desemprego. Resolveu pedir mais sacrifícios a uma sociedade saturada de "ajustamento".
Lançou um pacote que procura fechar o déficit fiscal com um aumento substancial da carga tributária. Remédio amargo para uma economia que mal começou a se recuperar da forte recessão do ano passado. Recessão esta que explica, inclusive, grande parte do declínio da arrecadação e da deterioração das contas públicas.
Aspecto pouco destacado aqui no Brasil foi a revalorização cambial implícita no pacote.
Além de reduzir os incentivos fiscais à exportação, introduzidos por Cavallo como compensação para o atraso cambial, o pacote de Fernández aumenta o "custo Argentina", ao reajustar os preços do óleo diesel e outros combustíveis e ampliar a carga tributária. Remédios amargos para uma economia com crônicos problemas de competitividade internacional.
Como seria de se esperar, a repercussão não foi das melhores. O pacote parece trazer a marca do extremismo do chefe da assessoria econômica, Carlos Rodríguez, um "Chicago boy" de convicções arraigadas, considerado por alguns um economista brilhante, que tende, porém, a comportar-se como um macaco em loja de louça.
Tudo indica que está armado um cenário para conflitos constantes entre as alas econômica e política do governo.
Há dúvidas sobre a viabilidade do pacote e, até mesmo, sobre a durabilidade da nova equipe econômica.
Dúvidas que aumentaram quando Menem não hesitou em desautorizar algumas das medidas tributárias anunciadas, poucas horas antes, por seu novo ministro da Economia. "Será possível que este homem não leu o que lhe mandamos?", era a pergunta disparada no Ministério da Economia.
Enquanto isso, "fontes" da presidência comentam: "Se não pediu demissão, Fernández já está disciplinado. Mas a equipe é insuportável. Só falta nos falarem em inglês. O segundo, Rodríguez, não vai durar muito." ("Página/12", 13 de agosto).
Com Menem botando as mangas de fora e grande parte das medidas na dependência de aprovação no Congresso, não é à toa que os mercados estão intranquilos.
A conjunção de uma equipe econômica dogmática, preocupada em dar demonstrações de rigor fiscal a qualquer custo, com um presidente como Menem, inquieto com a queda constante da sua popularidade, prenuncia um período de turbulências.
E o Brasil? Bem. Como dizia Bismarck, "só um parvo aprende com a experiência; eu aprendi sempre com a experiência alheia."
Vamos colocar as barbas de molho.

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