São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 1996
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América Latina mostra seus "pixotes" no festival

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM GRAMADO

Um matuto em Gramado teria todo o direito de pensar que a notícia sobre a suposta vida em Marte é uma armação para reforçar o lançamento de "Independence Day".
Assim como revelou-se falsa a descoberta do âmbar com inseto fossilizado divulgada na estréia de "O Parque dos Dinossauros".
Afinal, a segunda maior indústria americana, a do cinema, que atormenta a vida e recheia o discurso da maioria dos cineastas no 24º Festival de Gramado, sempre soube fazer o seu marketing.
Já "Sicario", do venezuelano Jose Novoa, a ser exibido pela primeira vez no Brasil hoje na competição latina de Gramado, não precisa de marketing realista.
As páginas policiais dos jornais de todo o Brasil fornecem um reforço natural caso o filme venha a estrear em nossos cinemas. A hipócrita lei de proteção dos menores não é um descalabro exclusivo da legislação brasileira, como o filme mostra. É latino-americana, como afirma o diretor Novoa.
"Sicario" trata dos periféricos da miséria, onde matar e morrer é o inferno a que se expõe a preços módicos, na tabela informal de matadores desajeitados mas eficazes e, o pior, quase sempre impunes por serem recrutados entre o exército brutalizado de adolescentes miseráveis. "Em nossa América Latina a vida continua não valendo nada", diz Novoa.
Antídoto
O seu filme é do tipo que não vacila ao desenhar uma coreografia sanguinária e violenta. É como um antídoto contra os muros que andamos erguendo ao longo do tempo para isolar a miséria das nossas calçadas e a indiferença com que nos habituamos a atravessar de carro os cruzamentos tomados por crianças abandonadas. A chamada dura realidade perde o seu poder de retórica frente às imagens cruéis de "Sicario".
A coreografia para este seu segundo longa, Jose Novoa tirou de sua bagagem teatral, inclusive como diretor do festival de teatro em Caracas, de 1978 a 82.
Ele nega, mas o caráter cinematográfico de sua estética tem semelhanças com o que gostamos de ver no cinema gun-fu/Hong Kong de John Woo. Com a diferença de se experimentar com o venezuelano o gosto amargo dos sentimentos de culpa e aversão.
Os mesmos sentimentos que Gramado reservou no mesmo dia com o filme brasileiro "Quem Matou Pixote", de José Joffily.
"Sicario" é uma sensação internacional desde o ano passado. Só não foi exibido ainda na Colombia, em cuja infância abandonada é inspirado.
Mas chega a Gramado com uma coleção de prêmios colhidos em 1995: melhor filme nos festivais de Biarritz, Filadélfia, Caracas, Huelva e Santa Bárbara; e melhor direção em Tóquio e Viña del Mar.
No Brasil, o filme é triste recordista de uma truculência burocrática: ficou retido oito meses na alfândega na intenção de ser exibido na Mostra Internacional de Cinema, em outubro do ano passado.

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