São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 1996
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SP vira a capital cultural do Mercosul

DANIEL BRAMATI
DE BUENOS AIRES

O Mercosul Cultural tenta, a partir de hoje, mostrar que integração nas artes entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai não se resume ao intercâmbio de artistas como Xuxa, Daniela Mercury, Paralamas do Sucesso e o argentino Fito Paez.
Durante 45 dias, São Paulo se transformará na capital cultural do Mercosul. Virão para cá grupos de dança e teatro e representantes de artes plásticas, cinema, vídeo e música popular e erudita.
Logo na abertura, o público terá uma mostra da diversidade cultural entre os países. Na mesma noite, apresentam-se a Orquestra Buenos Aires Tango, da Argentina, Grupo paraguaio de música e dança Arami, os uruguaios do Ruben Rada e Grupo Candombe e a Escola de Samba Vai-Vai.
Fito Paez, cantor pop argentino que já se apresentou em São Paulo, conhece Caetano Veloso e Herbert Vianna e até fala um pouco de português, é o grande destaque da programação e fará show no dia 29 de setembro. Em entrevista à Folha, Paez falou sobre sua participação no Mercosul Cultural.
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Folha - A integração cultural do Mercosul é possível?
Fito Paez - O Mercosul é um negócio basicamente econômico. Falar de integração cultural a partir desta idéia seria um pouco atrevido. Um tratado econômico e político até pode servir como incentivo, mas sempre tenho muita desconfiança em relação ao que se manipula por meio da cultura oficial. Não quero dar um crédito adiantado, porque sei que as coisas mais profundas correm por outros rios, por outras águas. Muita gente da Argentina, e não só os intelectuais, conhece a vastíssima obra musical brasileira, por exemplo.
Folha - Há uma opinião generalizada de que o Brasil está de costas para a América Latina e de que a Argentina está mais ligada à Europa do que aos países vizinhos.
Paez - Não é uma visão desacertada, mas isso começou a mudar nos últimos anos. Não atribuo ao Mercosul essa virtude. Atribuo ao fato de que Caetano Veloso e Herbert Vianna tenham vindo à Argentina e se conectado conosco. E ao fato de que nós tenhamos nos esforçado para saber que a música popular brasileira não vai só de Gismonti à Bahia, mas que também passa por Tim Maia, Roberto Carlos e outras expressões.
Folha - No seu primeiro disco, de 1984, já havia uma referência a Tom Jobim. O contato com a música brasileira é muito antigo?
Paez - Sim, meu pai me fazia escutar Jobim desde criança e também os grandes clássicos, que na época estavam na moda e que eram geniais. Tenho a música brasileira dentro da minha música, em alguns aspectos. Espero que Jobim não dê voltas em sua tumba, mas a sequência de acordes de "Tres agujas", um tema que estava em meu primeiro disco e que agora sai novamente no último, que se chama "Euforia", é puro Jobim. Giros, uma canção com ares tangueiros, é também um pouco "abossanovada", incorpora essa cadência brasileira.
Folha - Caetano Veloso conquistou a América Latina com um disco em espanhol. Há algum plano de gravar em português?
Paez - Tenho muita vontade. Confesso que tenho algumas canções compostas em português. Quando me livrar de um par de projetos grandes que tenho que fazer, penso em me dedicar a isso. Gostaria de gravar coisas de Tim Maia, João Gilberto, Gil, Djavan, Caetano, Chico, até algo de Roberto e Erasmo Carlos, que também escutava quando era criança.
Folha - Na Argentina existe um culto à música brasileira. Quando a música argentina chegará ao Brasil com a mesma força?
Paez - Quando a Argentina encontrar uma maneira de contar-se, o que é muito difícil, pois vivemos em país muito complexo, babilônico, europeizado, com uma grande tradição de dar as costas à sua própria cultura. Quando a Argentina tem expressões poderosas como Piazzolla, Mercedes Sosa ou Charly García, existe reconhecimento por parte do Brasil. Ou seja, é uma falha nossa, da nossa identidade. No Brasil, não há grandes traumatismos culturais no que diz respeito às relações de raça, por exemplo. Chico Buarque incorpora a música negra à sua poesia branca, digamos, e tudo acontece num "relax" incrível. O que se vê de fora é uma expressão muito autêntica. O Brasil tem a música popular mais original do mundo.

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