São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 1996
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Do nacionalismo burguês ao social

MARIO CESAR FLORES

O nacionalismo dos últimos 150 anos, com seu protecionismo e estímulos, serviu aos desenvolvimentos capitalistas dos séculos 19 e 20 assegurando-lhes reserva de mercado e apoio para projeções externas. A simbiose nacionalismo-capitalismo teve por protagonista econômico principal a grande empresa e produziu dois corolários: "arranjos" internacionais político-econômicos só eram plausíveis nas modalidades colonial ou imperial (extensões do nacionalismo das metrópoles), e as doutrinas de defesa preconizavam a auto-suficiência econômica, sobretudo industrial (ao gosto da grande indústria...).
A universalização da produção, dos mercados e das finanças, sensível em décadas anteriores, mas acelerada na última, está solapando as bases do nacionalismo dos séculos 19 e 20. As fusões internacionais de empresas, a dispersão de suas atividades e a migração financeira demonstram a fragilidade do nacionalismo do grande capital.
Na lógica econômica de hoje, as soberanias nacionais têm que conviver com a ingerência de organizações internacionais (OMC, FMI, Bird etc.) e acordos regionais, teoricamente consentida, mas praticamente inexorável, sob pena de exclusão internacional e restrições socioeconômicas só assimiláveis sob regimes autoritários; mesmo neles, com dificuldade, em virtude da tecnologia moderna de disseminação de notícias e costumes.
O Brasil não ficou imune a esse esquema. Dos anos 30 aos 80, a industrialização puxada pelo Estado, empresário, indutor e protetor da iniciativa privada, deu ao Brasil a atual fisionomia industrial-urbana. Ao mesmo tempo, o sentimento nacionalista necessário à sustentação do modelo era cultivado por políticos, militares e setores da "inteligentzia", encantados com as idéias intervencionistas e coletivistas então em moda (keynesianismo, fascismo e socialismo real), e pelas grandes empresas (capital e trabalho), "sócias" do modelo. Assim foi até os 80; e agora?
Também aqui o nacionalismo da associação da grande economia urbana com o Estado está em declínio. Muitos empresários e assalariados já entendem que seu futuro depende mais da inserção global de suas empresas do que do protecionismo das últimas décadas. Eles reconhecem a questão do emprego, decorrente da abertura econômica e da tecnologia, mas compreendem que ela deve ser atenuada via controle da evolução, sem marcha a ré na história.
Quanto aos militares, suas razões nacionalistas estão perdendo força porque o custo de armamento moderno inviabiliza a indústria sem escala e também porque há cada vez menos espaço para a solução bélica dos conflitos de interesse. As facetas radicais do nacionalismo anterior só resistem: nos empresários e empregados de empresas que, por motivos razoáveis ou incompetência, não conseguem competir internacionalmente sem os mecanismos que as protegeram durante décadas; em setores da "inteligentzia" e militares apegados ao "charme" das idéias antigas; e no corporativismo das empresas públicas.
Ressalvadas algumas exceções merecedoras de apoio do Estado por sua criticidade estratégica ou porque sujeitas à concorrência viciada pelo dumping (na exportação), pelo protecionismo e por regimes preferenciais, as grandes empresas ou alcançaram uma maturidade sadia depois da infância e da juventude protegidas ou chegaram a ela sem viço, situação em que fica difícil onerar o povo para mantê-las mediante proteção e estímulos do nacionalista-desenvolvimentista. Com o esmaecimento do discurso do país -potência- e na ausência de outras razões "vendáveis", isto só seria possível se fizéssemos do Brasil uma grande exclusão atrasada e autoritária!
Mas o ajuste à nova era econômica diz respeito principalmente às grandes empresas. As pequenas e médias, que contribuem ponderavelmente para reduzir o desemprego e cuja participação na economia tende a crescer, estimulam (e são estimuladas por) sentimento nacionalista coerente com a época atual, em que as preocupações sociais têm precedência sobre as econômicas.
Ademais, por serem menos dependentes da emoção nacionalista que apoiou a combinação "capital-trabalho" dos anos 30 aos 80, menos sujeitas ao autoritarismo organizacional interno e sindical e mais distributivistas, elas ajudam a disseminar a democracia liberal-social, distinta da liberal seletiva, modelada pelo desenvolvimento capitalista do século 19, e da falsa democracia do socialismo real.
A saúde política, econômica e social brasileira precisa dessas empresas, que se ajustam com facilidade às vicissitudes da evolução em curso no mundo e no Brasil. Parece ter chegado "a hora" do nacionalismo mais democrático e social que econômico e intervencionista-autoritário e, a reboque, das empresas menores, no tocante aos cuidados do Estado -cuidados sem dúvida menos exigentes do que os proporcionados durante 60 anos à grande empresa.

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