São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 1996
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Credenciais acadêmicas

DARCY RIBEIRO

A Folha publicou vários artigos do ex-interventor da ditadura militar na Universidade de Brasília (capitão Azevedo), desafiando-me a uma polêmica.
Nunca acolhi suas provocações porque não queria dar existência a essa figura detestada por todo o mundo acadêmico. Ocorre, porém, que o senador Jarbas Passarinho entrou no assunto me pedindo que responda, mostrando minhas credenciais, para acabar com os insultos.
Graduei-me na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que era, na época, uma das melhores do mundo. Viviam em São Paulo, refugiados, figuras luminares como Lévi-Strauss, Herbert Baldus, Émile Wilems. Norte-americanos, como Donald Pierson, e o inglês Radcliffe-Brown. E brasileiros como Sérgio Buarque de Hollanda e Almeida Júnior. Nesse ambiente, me formei, especializando-me em antropologia, no seminário de Herbert Baldus. Só ali podia adotar como ideal de vida acadêmica estudar a natureza humana pela observação dos índios do Brasil, o que fiz por uma década.
Como diretor do Museu do Índio, no Rio, criei, com o patrocínio da Capes, o primeiro curso brasileiro de pós-graduação para formar antropólogos como pesquisadores de campo. Depois de um ano de estudos intensivos, meus alunos tinham um ano mais de pesquisas de observação direta.
Levei esse mesmo curso, mais tarde, para o Inep, onde funcionou até quando eu tive que ir para Brasília, como reitor da UnB. Meus cursos de pós-graduação para formar cientistas sociais foram transferidos para o Museu Nacional da UFRJ, onde até hoje funcionam com programas de mestrado e doutorado de reconhecida excelência.
Por meio dos referidos cursos e da minha cátedra de professor de etnografia brasileira da Faculdade de Filosofia, formei muitos discípulos que trabalham fecundamente nos campos das ciências humanas. Quando assumi o Ministério da Educação e, depois, a chefia da Casa Civil, a reitoria da UnB ficou entregue a Anísio Teixeira.
Com o golpe militar de 64, fui para meus exílios, em que ganhei a vida como professor de antropologia e reformador de universidades. Dirigi os seminários de reforma da Universidade da República do Uruguai e da Universidade Central da Venezuela. Conduzi o Programa de Integração das Universidades Peruanas. Dirigi os programas de reforma das universidades de Argel e de Constantin, criei a Universidade Nacional da Costa Rica e participei do planejamento do Centro de Estudos do Terceiro Mundo do México.
Já no Brasil, implantei no Rio os 500 Cieps de Brizola, elaborei o programa dos Ciacs de Collor e estou propondo ao presidente FHC amplo plano de escolas de tempo integral para a criançada das favelas e das periferias das metrópoles brasileiras. Ainda criei no Rio a Universidade do Norte-Fluminense, que nasceu com vocação de ser uma Universidade do Terceiro Milênio, destino que ainda cumprirá. Presentemente, estou criando a primeira Universidade Aberta do Brasil, inspirada nas universidades semelhantes de Londres, Madri e Caracas.
Tenho orgulho de dizer que meus méritos foram reconhecidos pela mãe das universidades, a Sorbonne, que me deu o título de doutor "honoris causa". O mesmo ocorreu com a vetusta Universidade de Copenhagen e já havia ocorrido com a Universidade da República do Uruguai e com a Universidade Central da Venezuela.
Mas o mais gratificante foi receber o mesmo honroso título da Universidade de Brasília, que eu fundei e que o referido ex-interventor afundou. Durante anos, chorei dizendo que minha filha, a UnB, tinha caído na vida. Agora digo, com alegria, que ela voltou a florescer. Que me deu, numa cerimônia lindíssima, o título de doutor "honoris causa" e batizou seu campus com o nome de Campus Universitário Darcy Ribeiro.
Tudo isso doerá muito ao referido capitão, que me provoca há meses para uma polêmica, que lhe daria uma nova existência. Não lhe darei esse gosto. Ele não merece. Foi o pior gestor de universidades da ditadura militar. Foi quem mais usou e abusou do decreto 477, o qual estabelecia que um estudante expulso como subversivo da UnB ficava impedido de matricular-se em qualquer outra universidade.
Pior ainda foi sua fúria de inverter o princípio ético fundamental da Universidade de Brasília, assim expresso: nessa Casa, ninguém jamais será premiado nem punido em razão de suas idéias. O capitão-gestor fez justamente o contrário, premiando ou punindo os professores que concordavam com suas idéias ou que lutavam pela democracia e pela dignidade acadêmica.

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