São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 1996
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Saem US$ 750 milhões

CELSO PINTO

Desde o dia primeiro de julho até anteontem, dia 14, o Brasil perdeu cerca de US$ 750 milhões em reservas cambiais. Em julho, houve a maior perda de reserva desde o fatídico mês de março do ano passado, quando houve a crise cambial.
Medidas pelo conceito de caixa, as reservas caíram US$ 540 milhões, e medidas pelo conceito de liquidez internacional, US$ 476 milhões. A perda continuou nas primeiras duas semanas de agosto.
Até quarta-feira, entraram pelo câmbio livre US$ 668 milhões líquidos, mas saíram pelo câmbio flutuante US$ 878 milhões. Houve, portanto, uma saída líquida de US$ 210 milhões que deve ter-se refletido, integralmente, sobre o nível de reservas.
As perdas de julho se explicam pela diferença entre um saldo positivo de US$ 1,9 bilhão no câmbio livre, menos um saldo negativo de US$ 1,5 bilhão no câmbio flutuante e menos o pagamento de cerca de US$ 1 bilhão em juros para o Clube de Paris. Olhando o número global das reservas, de US$ 58 bilhões pelo conceito de caixa e US$ 59,5 bilhões no conceito de liquidez internacional, a perda está longe de ser assustadora. Somando a perda com outros fatos, contudo, o cenário fica menos tranquilizador e pode explicar porque o Banco Central resolveu dar uma guinada na sua política de baixar gradualmente os juros e decidiu manter a taxa básica em 1,9% em agosto.
Um dos fatores de preocupação é a balança comercial. O número que circula no mercado é de um déficit de US$ 300 milhões em julho. Se for confirmado, ele é um péssimo resultado, porque acontece num mês no qual, sazonalmente, a exportação é mais forte e, portanto, deveria haver algum superávit. Os US$ 300 milhões dessazonalizados equivalem a um déficit de US$ 450 milhões, nas contas de um grande banco. Esse mesmo banco, aliás, já trabalha com a perspectiva de um déficit comercial de US$ 2,9 bilhões neste ano.
O outro fator de preocupação é a Argentina. A queda do ex-ministro Domingo Cavallo abriu um período de incertezas que não acabou. Os mercados internacionais ficaram mais sensíveis aos fatos na Argentina, e os desdobramentos certamente poderão afetar o Brasil.
Os três fatos, juntos, podem ajudar a explicar a supercautela do BC ao manter os juros básicos inalterados em agosto e permitir um aumento nos juros no mercado aberto e nos mercados futuros. Ontem, os mercados futuros deram outro pequeno salto para cima nos juros, que chegaram a 1,97% em agosto, 1,9% em setembro, 1,89% em outubro e 1,86% em novembro. Ao mesmo tempo, os mercados futuros baixaram um pouco mais suas estimativas para a variação do câmbio, que ficaram em 1,74% este mês e em 1,75% para cada um dos próximos três meses.
O que isso quer dizer? Que o chamado "cupom de dólar" subiu. Ou seja, a remuneração do investidor externo que aplica em renda fixa no Brasil ficou maior. Essa remuneração depende não só das taxas de juros, mas também da desvalorização (que significa perda na troca dos reais por dólares no final da aplicação).
Considerando as taxas de renda fixa, as projeções de desvalorização cambial nos mercados futuros e o imposto de renda pago nas aplicações, o rendimento estava em 9,2% ao ano na segunda-feira. Ontem, havia subido a 9,5%.
Na prática, o BC está sinalizando ao mercado internacional que está atento aos movimentos nas suas contas externas e na Argentina. Juros mais altos significam também menos crescimento, o que ajuda a conter importações e, portanto, a melhorar a balança comercial.
O problema é que tudo isso acontece quando os indicadores de produção e emprego de junho e julho têm sido decepcionantes. E quando os juros para os tomadores de empréstimos continuam altíssimos.
Os "ismos"
Do deputado Roberto Campos, ontem, na entrega do prêmio às melhores empresas pela Fundação Getúlio Vargas: "O Brasil sofre de cinco "ismos", mercantilismo, protecionismo, estatismo, populismo e estruturalismo. O único "ismo" de que não sofremos é o neoliberalismo. O que praticamos é um mercantilismo patrimonialista que gradualmente está nos levando à descoberta do capitalismo".

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