São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 1996
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O PT que diz sim e não

PAUL SINGER

Este debate já dura anos, desde que Lula, no fim da década de 80 (se não me engano), conclamou o partido a se tornar mais "propositivo". É claro que o PT diz não à desigualdade, ao desemprego, à miséria, à recessão etc. e diz sim à garantia de renda mínima, à reforma agrária, ao banco do povo, à economia solidária etc.
O PT tornou-se um dos mais propositivos de nosso espectro partidário. Tentar separar o PT que diz não do PT que diz sim não tem sentido. Não obstante há divergências dentro do partido sobre a denúncia de mazelas do sistema socioeconômico e o oferecimento de propostas de solução para as mesmas.
Para alguns, no Partido dos Trabalhadores, a desigualdade e o desemprego não têm cura nos limites do capitalismo. É possível e (para uma parcela dos que assim pensam) necessário propor medidas de reformas, compatíveis com o capitalismo, que atenuem esses males, mas erradicá-los só será possível com a socialização dos meios de produção.
Daí a necessidade de enfatizar as denúncias, mostrar como pobreza e exclusão social são inerentes ao capitalismo e combinar a propaganda das reformas com a advertência de que o seu alcance é limitado. Para os petistas com essa posição, dizer não é no mínimo tão importante -se não mais importante- quanto dizer sim.
Para outros, no partido, o problema não está em saber se é possível eliminar a desigualdade e o desemprego dentro dos limites do capitalismo, mas onde estes se encontram. Já não satisfaz mais afirmar que estes estão na propriedade privada dos meios de produção. Se isso fazia sentido até, digamos, a primeira metade do século 20, agora não faz mais. Primeiro porque as grandes empresas capitalistas são dirigidas por gerentes profissionais que não são seus proprietários, e há conflitos de interesses entre os primeiros e os últimos, que se refletem nas contínuas fusões, cisões, aquisições hostis etc. das mesmas.
E segundo porque as empresas públicas, controladas por governos, em nada se distinguem das empresas privadas do mesmo tamanho e gênero. Em suma, o que persiste hoje em dia são sistemas indubitavelmente capitalistas e que mais capitalistas vêm se tornando via desregulamentação, privatização e globalização, mas é insuficiente imaginar que a mera mudança da forma de propriedade os transformaria em socialistas.
Para os outros, que assim pensamos, os limites do capitalismo se encontram menos na propriedade do que no controle privado, exercido pela minoria de grandes detentores de riqueza financeira -o capital em sua forma mais abstrata-, da produção social e do Estado.
O que dá vida ao capitalismo é o controle pelos ricos dos partidos, candidaturas e governos, dos meios de comunicação de massa, dos conglomerados de empresas, da intermediação financeira e -por fim, mas não por último- de boa parte da produção cultural. Acabar com esse controle exige muito mais do que um ato de força, como expropriar empresas e bens de raiz; exige sobretudo habilitar a maioria pobre ou remediada do povo a assumir este controle sempre que possível e disputá-lo sempre que necessário.
Ora, são as propostas que reduzem a desigualdade e o desemprego (sintetizando outras mazelas) que podem, uma vez colocadas em prática, habilitar a maioria não-rica a exercer controle crescente da produção social e do Estado. Sempre, é escusado lembrá-lo, dentro da democracia política.
Quando a garantia de renda mínima permitir aos miseráveis manter os filhos na escola e a reforma agrária mais a economia solidária transformarem milhões de desempregados em produtores cooperados, condições mínimas terão sido criadas para que a democracia possa ser introduzida no âmbito das empresas e na caixa preta das decisões governamentais. Daí porque dizer sim parece-nos ser tão importante.
Mas dá para concordar com os oponentes que apresentar propostas não basta. É necessário didatizar a oposição de interesses, que se acentua sem cessar, entre os que possuem riqueza e poder e os que estão privados de ambos. E sobretudo é necessário aprofundar o debate, que não precisa destruir o partido, podendo pelo contrário iluminar o seu caminho.

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