São Paulo, sábado, 17 de agosto de 1996
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Responsabilidade do juiz e do advogado

WALTER CENEVIVA

No último fim de semana estive em Recife, participando da milésima reunião do Conselho da OAB-PE, presidida por Aluisio Xavier. No curso da mesma solenidade fiz palestra a convite do advogado Eduardo Sertório, diretor da Escola de Advocacia daquela seccional. Sertório é advogado paulista, mas hoje inteiramente absorvido pelos encantos pernambucanos.
Tratei da responsabilidade do juiz e do advogado perante as partes. Acentuei que nem o Poder Judiciário, nem os conselhos profissionais da advocacia têm mecanismos eficientes para punir os operadores jurídicos que ofendam direito alheio, por ação, omissão ou corrupção.
Quando o magistrado, nas varas isoladas, nas juntas de conciliação e principalmente nos tribunais, mostra-se negligente, por pouco que seja, a falta não tem a repercussão comum a outros servidores. O juiz é o órgão individual do próprio Estado, pratica atos de governo, com forma especialmente severa de responsabilidade.
Assim é também quando comete erro grave, e nem seria necessário dizê-lo, quando age em favor ou em detrimento de uma parte. A responsabilidade não se confunde com a plena liberdade jurisdicional na interpretação das leis, no exame da prova em face dos fatos afirmados pelos requerentes e requeridos.
No referente aos advogados chamei, na palestra aos amigos do Recife, atenção para fatos conhecidos, especialmente dois: o excesso de profissionais no mercado de trabalho, rebaixando os níveis éticos, agravado pela incultura de muitos, até no referente aos rudimentos mais elementares, simultaneamente com as insuficiências dos mecanismos verificadores de suas condutas, pela Ordem dos Advogados do Brasil.
O serviço da Justiça, embora obra humana, deve ser quase inteiramente isento de defeitos e, quando estes ocorram, devem ser corrigíveis de modo eficaz. Enganos de interpretação servem de exemplo. Podem ser reparados através dos recursos legais.
Contudo, defeitos decorrentes do descuido pessoal, dos prazos estendidos, dos despachos protelatórios e das soluções contra a lei são intoleráveis. Solapam a credibilidade da Justiça oficial. Sacrificam a paz social de que o Judiciário (estadual, federal, cível, criminal, trabalhista, militar, eleitoral) é a maior garantia e a derradeira esperança.
Defendi a tese de que o juiz pode ser civilmente responsabilizado pelo Estado, quando este tenha de responder por erro culposo ou doloso daquele, nos termos do parágrafo 6º do artigo 36 da Constituição. Dois bons juízes brasileiros participam dessa convicção.
Em conferência na OAB do Distrito Federal, José Augusto Delgado, ministro do Superior Tribunal de Justiça e professor norte-riograndense, disse que "a responsabilidade do Estado pode ser detectada até quando o juiz, ultrapassando os limites da razoabilidade na interpretação e aplicação das leis, profira decisões que causem danos injustificáveis às partes". Lucia Valle Figueiredo, juíza e professora em São Paulo, aponta no mesmo sentido, pois o juiz "diz o direito em normas concretas e por conta do Estado".
Delgado, na referida conferência, realizou primorosa decomposição de cada um dos pontos da responsabilidade na demora da entrega da prestação jurisdicional. Será bom para a magistratura e para advocacia que o disciplinamento de seus membros repercuta sobre o Estado e -se for o caso- sobre os profissionais desatentos da especial nobreza de seu dever.

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