São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Garimpo retorna à reserva dos ianomâmis

LUCIO VAZ
ENVIADO ESPECIAL A BOA VISTA (RR)

Os garimpeiros voltaram a invadir a reserva dos índios ianomâmi em Roraima.
Sem a fiscalização da Funai (Fundação Nacional do Índio), que diz não ter dinheiro, ou da Polícia Federal, que tem como prioridade vigiar as fronteiras, entre 500 e 600 homens já atuam na reserva, segundo o Sindicato dos Garimpeiros de Roraima.
Com os garimpeiros, voltam doenças como a malária e a tuberculose. Apesar do trabalho intensivo da Fundação Nacional de Saúde na reserva ianomâmi, de janeiro a junho deste ano já foram registrados 1.755 casos de malária.
Há casos graves de tuberculose no hospital Casa de Cura, mantido pela diocese de Roraima, em Boa Vista.
O ianomâmi Makuxi, 50, foi recolhido na aldeia Iassumará, no dia 23 de junho, em estado grave. Pode ter contaminado outros índios da aldeia.
Doenças venéreas
O coordenador da Operação Ianomâmi, hoje desativada, Walter Blos, afirma que garimpeiros teriam transmitido doenças venéreas aos índios.
Os ianomâmis teriam, segundo ele, cedido suas mulheres em troca de alimentos e munição.
Pelos levantamentos da Funai, o número de invasores chegou a 3.000 em junho e só foi reduzido por causa das cheias.
Com a chegada da seca, em setembro, a fundação estima que as invasões aumentarão. Em um mês e meio foram registrados na área 283 vôos clandestinos.
À noite
Na terça, a reportagem da Folha sobrevoou de helicóptero cerca de 500 km na região central da reserva e flagrou três balsas de garimpeiros -duas trabalhando no rio Couto Magalhães e uma próxima à pista Bandeirantes, distante apenas 30 km do posto da Funai em Surucucu, onde fica o pelotão de fronteira do Exército.
Segundo a Funai, os garimpeiros trabalham principalmente à noite. A estratégia utilizada é de aproximação pacífica com índios, o que vem provocando controvérsias e conflitos entre as aldeias.
Os garimpeiros cedem alimentos, espingardas e cartuchos em troca da conivência dos chefes da reserva.
"As máquinas trabalham durante toda a noite e dá para ouvir o barulho do motor. Teve vôo chegando às 4h da madrugada", diz Luiz Apolinário Duarte, chefe do posto Catrimani 1 da Funai.
Vôos clandestinos
A Funai prevê a ampliação do garimpo com base no número de vôos clandestinos registrados pelos seus postos na reserva.
Foram 162 em julho e 121 só nos primeiros 14 dias de agosto.
Os garimpeiros estariam estocando alimentos e combustível para retomar o trabalho a todo o vapor quando as águas dos rios baixarem.
Eles utilizam 32 pistas clandestinas em condições de uso na reserva dos ianomâmis.
Os aviões só podem entrar na reserva com autorização da Funai e depois que os postos são notificados. Todos os sobrevôos na área sem informação prévia aos postos são considerados clandestinos.
A Folha visitou seis pistas na terça-feira passada. A pista Bandeirantes tinha marcas recentes de avião. As pistas próximas a Paapiú, Catrimani 1 e Serra da Estrutura estão em condições de uso (veja mapa).
Outra prioridade
A fiscalização da Funai e da PF foi suspensa no dia 6 de março, por falta de dinheiro.
A Funai aguarda a liberação de R$ 5,7 milhões pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para retomar a Operação Ianomâmi e retirar os garimpeiros que voltaram para a reserva.
O presidente do Sindicato dos Garimpeiros, Crisnel Francisco Ramalho, 50, não esconde a presença dos garimpeiros.
"Há entre 500 e 600 homens na área. São pessoas analfabetas, que não têm outra forma de sobrevivência", afirma.
Para a superintendente da Polícia Federal, Sueli Goerisch, há cerca de 250 garimpeiros na reserva.
"A gente admite que está faltando fiscalização. Ocorre que os ianomâmis não são a nossa prioridade, embora sejam importantes", diz Goerisch.
A prioridade da PF, segundo a superintendente, é o controle de 1.920 km de fronteira seca com a Venezuela e a Guiana.
"Temos 19 agentes para todo o trabalho. Seriam necessários mais dez para fiscalizar a reserva."

Texto Anterior: Universo Online vende acesso à Internet
Próximo Texto: Funai e PF trocam acusações
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.